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domingo, 21 de julho de 2013

ÁGUA EM MARTE







Em 1880, o escocês Stevenson explorava a Califórnia com sua nova esposa quando lhe ocorreu isso. Participo de uma equipe de mais de 500 viajantes que exploram Marte, a partir da Califórnia, com a ajuda do mais sofisticado robô já enviado a outro planeta. 

Enquanto escrevo isto, o Curiosity está abrindo um buraco em uma rocha na cratera Gale. Essa atividade bruta pode não parecer prova de sua sofisticação. Mas é. Foram necessários nada menos que dez anos de esforços de engenharia na Terra e seis meses de preparação em Marte para chegar àquela rocha. Perfurar um buraco de 5 centímetros nessa pedra e extrair dela uma amostra do tamanho de uma aspirina ainda vai levar semanas. Estamos fazendo tudo isso em busca de indícios químicos de que não há tanta diferença entre Marte e a Terra - e de que, no passado, o planeta foi hospitaleiro à vida. Sou geólogo, e faço meu trabalho de campo na Terra -  e de que no passado

Normalmente, saio apenas com um punhado de colegas. Vamos a áreas remotas em caminhonetes ou somos levados em pequenos aviões ou helicópteros. Depois, andamos muito. O planejamento dessas expedições costuma levar meses, não uma década, e, quando necessito da amostra de uma rocha, só preciso pegar o martelo e extrair um pedaço dela. A coleta é feita em minutos, não semanas. 

De volta ao laboratório, bastam alguns dias para analisarmos as amostras, em vez dos meses que o Curiosity vai levar. Tanto na Terra como em Marte, fazer o trabalho de campo requer muita prática - mas, em Marte, tudo isso ocorre em outro patamar.
Para começar, precisamos de um monte de engenheiros brilhantes na equipe do projeto do Curiosity - o brasileiro Ramon de Paula, de 59 anos, que trabalha no quartel-general da Nasa em Washington, DC, é um deles. No Laboratório de Propulsão a Jato, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, os cientistas praticaram durante anos com o irmão gêmeo do Curiosity, testando os programas que comandam o braço robótico de 2 metros, para ter a certeza de que ele poderia executar as centenas de movimentos necessários para posicionar, com a suavidade de uma pena, uma furadeira de 30 quilos sobre um alvo do tamanho de uma ervilha. 


Em Marte, as temperaturas variam, no período de um único dia, em até 100°C, o que faria todo o jipe-robô, incluindo o equipamento de perfuração, se expandir e se contrair. Tivemos de descobrir um modo de impedir que seus mecanismos acabassem emperrados. Outro motivo de preocupação era de que o pó produzido na perfuração acabasse entupindo os minúsculos tubos e peneiras do laboratório químico a bordo do robô. Uma quantidade incrível de detalhes teve de ser examinada.
 

Em seguida, enquanto o módulo espacial colocou o Curiosity na superfície marciana, ainda passamos seis meses com o coração na boca. Tínhamos de agir com todo o cuidado para não estragar o veículo novinho em folha - que custou 2,5 bilhões de dólares! Uma coisa que não queríamos de maneira nenhuma era que a furadeira ou o martelo repercussivo atingissem por engano o próprio jipe. O braço foi construído com a menor quantidade possível de folga nas articulações, e aquelas milhares de linhas de software foram checadas inúmeras vezes, mas só mesmo em Marte saberíamos como o equipamento iria funcionar. Para começar, a gravidade ali é de um terço da existente na Terra. Assim, as dúzias de atividades que havíamos repetido à exaustão na Califórnia voltamos a realizá-las em Marte, em ritmo bem lento. Era espantoso o fato de estarmos fazendo isso em Marte, mas por vezes a lentidão era exasperadora. Seis meses depois, ficamos prontos para perfurar a rocha.
 

 É esse pó misterioso que fomos buscar lá? O Curiosity foi concebido para investigar indícios da existência de vida em Marte - tanto em ambientes que poderiam ter assegurado a sobrevivência de micro-organismos como em moléculas orgânicas produzidas por tais micróbios. Ou seja, não estamos atrás de seres vivos; isso requereria instrumentos ainda mais avançados que os do Curiosity. 

A tarefa dele é nos ajudar a decidir se, no futuro, vale a pena enviar uma missão em busca de formas de vida.
Um ambiente habitável necessita de três ingredientes fundamentais: água, uma fonte de energia e os elementos químicos básicos para o surgimento da vida, como o carbono. Missões anteriores já comprovaram que, no passado, havia água na superfície marciana. Satélites orbitais obtiveram imagens de antigos vales fluviais - e o jipe encontrou minerais que continham água em sua estrutura cristalina. O Curiosity está realizando testes para verificar a presença de dois outros ingredientes de habitabilidade. Como a superfície atual do planeta é inóspita, estamos buscando rochas antigas que preservem marcas de um ambiente mais úmido e parecido com o da Terra. Esperamos achar essas rochas nas camadas empilhadas de sedimentos do monte Sharp, na cratera Gale. Já topamos com rochas assim em um local próximo ao ponto em que o jipe tocou o solo, e por isso começamos a perfurar ali mesmo.
 

A perfuração nos dá acesso ao material no interior da rocha que mais preservou o registro fiel de um ambiente antigo. Graças a estudos similares na Terra, o foco principal de minhas pesquisas durante mais de duas décadas, aprendi como é difícil descobrir um registro assim - e, sobretudo, encontrar moléculas orgânicas que possam ter sido produzidas por organismos antigos.
Mesmo na Terra, na qual sabemos que a vida microbiana fervilha há bilhões de anos, tais resquícios são achados apenas em raros locais. 




  Local de um antigo impacto de meteoro, a cratera Gale tem 150 quilômetros de diâmetro. O Curiosity vai levar meses até chegar ao monte Sharp e começar a escalar sua encosta. As rochas dali, com até 4 bilhões de anos de idade, podem guardar o registro da época fatídica em que Marte ficou sem água.

O paradoxo é de que a água, ingrediente essencial à vida, também acaba por destruir as moléculas de carbono orgânicas. Bem naqueles lugares em que poderíamos buscar formas de vida - locais por onde a água passou, através de areia ou sedimentos, precipitando minerais que fixam as partículas à rocha -, quase sempre, a própria água apaga os resquícios dela. São raras as exceções. Moléculas orgânicas também podem ser produzidas por processos distintos de vida e, por isso, encontrá-las não será comprovação definitiva de que no passado ela existiu em Marte. No entanto, vai nos dizer onde devemos procurá-la.
Com a primeira rocha perfurada, comprovamos que Marte já foi habitável no passado. Um lamito, cortado por veios de um mineral formado na água, tem a aparência de algo oriundo de uma zona de mineração. A análise do Curiosity revelou que a água não seria ácida o bastante para um organismo vivo. Ela continha compostos de enxofre que, na Terra, são fonte de energia para alguns micróbios. Também apresentava sinais de carbono. Ainda não podemos afirmar que a lagoa em que se formou nossa rocha, talvez há 3 bilhões de anos, fosse, de fato, habitada - apenas que havia condições para isso. a cratera gale é muito promissora. Basta examinar as fotos. Um mês depois do pouso, nos demos conta de que o Curiosity estava em um antigo leito fluvial. As pedras eram parecidas com aquelas que eu mesmo, quando menino, atirava no riacho atrás de nossa casa na Pensilvânia. Imagens de locais desconhecidos há muito inspiram exploradores. As fotos feitas durante a expedição Hayden a Yellowstone foram um dos principais motivos que levaram o lugar a ser escolhido para ser o primeiro parque nacional dos Estados Unidos, em 1872. Meio século depois, o fotógrafo Ansel Adams começou sua longa carreira, durante a qual encantou a todos com as luminosas imagens das paisagens americanas.

Nosso robô não é nenhum Ansel Adams, e a cratera Gale não é o próximo parque nacional, mas sua aparência, parecida com a da Terra, encantou o público, assim como todos nós do Laboratório de Propulsão a Jato. Desde o dia em que pousamos, esse lugar mostrou-se diferente de todos os outros que visitamos nas missões anteriores a Marte. Desde o cume do monte Sharp, passando pelos planaltos na borda da cratera, até as imagens aproximadas das rochas formadas pela água em um antigo leito fluvial, tudo nos faz lembrar de nosso próprio planeta.
Logo depois de você terminar de ler esta reportagem, deveremos estar cruzando a distância de 8 quilómetros da cratera até o monte Sharp. Agora, como um viajante em Marte, dou razão à frase de Stevenson: essa terra não é tão estrangeira. É um belo lugar para dar um passeio...

























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Prof. Sérgio Torres