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sábado, 20 de setembro de 2014
30 ANOS DE GOVERNOS CIVIS NO BRASIL
A eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney na Presidência, em 15 de março de 1985, marcaram o encerramento de dois ciclos na história do Brasil. O mais longo havia se iniciado quando a cúpula militar do país destituiu João Goulart da Presidência da República e tomou o poder, em 1964, implantando uma ditadura militar. Outro, mais curto, começou em novembro de 1983, na Praça Charles Miller, em São Paulo. Ali, reuniu-se um comício com 15 mil pessoas, o primeiro grande ato do movimento pelas Diretas Já – mobilização popular para pressionar o Congresso Nacional a aprovar a emenda Dante de Oliveira, que determinava a convocação de eleições diretas para a Presidência. Os comícios se espalharam pelo país a partir de janeiro de 1984, reunindo milhões de pessoas, até culminar com os atos da Candelária, no Rio, em 10 de abril, e do Anhangabaú, em São Paulo, em 16 de abril, que reuniram juntos cerca de 3 milhões de pessoas.
Pelas normas então vigentes, fixadas pela própria ditadura, a aprovação de uma emenda à Constituição exigia o apoio de 2/3 dos deputados. Em 25 de abril, a emenda obteve a aprovação da maioria dos parlamentares (298 deputados), mas precisava de 320 para virar lei. Assim, foi derrotada. Pela Constituição da ditadura, a eleição do sucessor do general João Baptista Figueiredo seria feita no Colégio Eleitoral, composto de deputados federais, senadores e representantes das assembleias legislativas estaduais. Ainda assim, o regime militar vivia uma crise profunda. Políticos ligados ao poder começaram a abandoná-lo. Líderes da oposição e dissidentes do próprio regime acabaram se unindo dentro do Colégio Eleitoral na chamada Aliança Democrática, e elegeram, em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves e José Sarney presidente e vice da República. Um dos principais nomes da oposição, Tancredo, do PMDB, ficou doente às vésperas da posse e não chegou a assumir. Morreu em 21 de abril, deixando o cargo para o vice.
Sarney e a transição
José Sarney (15/3/1985-13/3/1990) era um político estreitamente ligado ao regime militar: havia sido presidente da Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido de suporte direto à ditadura. Após 20 anos de serviços, deixou o apoio ao regime poucos meses antes do Colégio Eleitoral e acabou na Presidência. No final, sua presença foi decisiva para preservar ao máximo as instituições herdadas do regime militar.
Como presidente, assinou em 10 de maio de 1985 uma emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas para a Presidência, mas só ao final de seu mandato, de cinco anos. Também determinou que o Congresso eleito em 1986 assumisse o papel de Assembleia Constituinte, ou seja, elaborasse a nova Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988 e vigente hoje em dia.
Na área econômica, concentrou suas ações no combate à inflação, mas sem sucesso. Baixou quatro pacotes de estabilização econômica, dos quais o principal é o Plano Cruzado, de 28 de fevereiro de 1986. Os preços foram congelados e o governo estimulou a população a fiscalizar. Mas a hiperinflação acabou voltando no ano seguinte. A inflação chegou a espantosos 2.751% nos últimos doze meses do seu governo.
Collor e o impeachment
Político sem expressão nacional, Fernando Collor de Mello (15/3/1990-29/12/1992), do pequeno PRN, foi eleito amparado numa imagem de juventude e modernidade. Por ter demitido funcionários públicos que ganhavam altos salários em Alagoas, quando foi governador, fez sua campanha baseada na imagem de “caçador de marajás”.
Venceu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das primeiras eleições diretas em 30 anos, tomou posse em 15 de março de 1990, e anunciou o Plano Collor para combater a inflação logo nos primeiros dias. O pacote congelou preços e salários e confiscou depósitos bancários, além de expurgar a inflação do mês anterior (56,11%) das correções de aplicações financeiras (como a caderneta de poupança), em um drástico processo de retirada de dinheiro de circulação. Collor pregava uma reforma do Estado, com a redução dos serviços públicos, a abertura comercial para o exterior, o fim dos subsídios a produtores e as privatizações. Liberou as importações para evitar o desabastecimento interno ocorrido nos planos econômicos anteriores.
No segundo ano de mandato, seu governo foi atingido por uma sucessão de escândalos políticos, denúncias de corrupção e de desvio de dinheiro público. Com o fracasso das ações na área econômica e sem apoio no Congresso, as denúncias de corrupção transformaram-se num processo de impeachment (ou seja, de deposição do presidente). Acossado por grandes mobilizações populares, que se espalharam pelo país, no que se tornou conhecido como movimento dos “caras-pintadas”, Collor renunciou em 29 de dezembro de 1992.
Itamar e o Plano Real
O vice de Collor, Itamar Franco (29/12/1992-31/12/1994), também do PRN, assumiu a Presidência. Seu governo deu continuidade às privatizações e ampliou os investimentos em ciência e tecnologia. Seu maior triunfo acabou sendo o controle da inflação, após 15 anos de tentativas fracassadas.
A inflação acumulada em 1993 no Brasil atingiu 2.477,1%, após três trocas de ministros da Fazenda em um curto período de tempo. No fim do ano, o presidente entregou a pasta ao ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que anunciou um programa de estabilização econômica, o Plano Real, implantado em julho de 1994. Os eixos do plano foram estabelecer uma paridade entre o real e o dólar e extinguir a indexação da economia (ou seja, os reajustes automáticos em função da inflação passada). Desta vez, o plano funcionou. Um ano após ser adotado, a inflação mensal era inferior a 2%.
O sucesso do plano foi a base da candidatura de Fernando Henrique (FHC) à Presidência da República.
FHC, privatizações e reeleição
Fernando Henrique Cardoso (1º/1/1995-31/12/2002) venceu as eleições de 1994 liderando uma coligação entre o seu PSDB e o PFL, para um mandato de quatro anos. Intelectual progressista, associou-se a partidos de direita para governar. Seu principal parceiro, o PFL (atual DEM), era originário da base do regime militar.
FHC acelerou as privatizações, passando para a iniciativa privada as empresas estatais de telefonia, energia elétrica, mineração e siderurgia. Na área econômica, fechou acordos com o Fundo Monetário Internacional, adotando juros altos e o compromisso com um superávit primário (gasto menor do que a arrecadação, para reduzir a dívida pública). Esses compromissos travavam os investimentos no desenvolvimento econômico, e o bom desempenho dos dois primeiros anos, com crescimento da economia, começou a perder força. Nesse cenário, FHC organizou uma articulação política para aprovar a emenda que instituiu a possibilidade de reeleição do presidente. A mudança foi aprovada no Congresso, mas com denúncias de compra de votos.
No segundo mandato, FHC conviveu com uma recessão econômica agravada em 1999, quando uma crise internacional dos mercados abalou seriamente a moeda brasileira. A dívida externa cresceu vertiginosamente no período.
Lula e o combate à fome
Luiz Inácio Lula da Silva (1º/1/2003-31/12/2010) tomou posse na Presidência depois de três derrotas nas eleições anteriores. Principal nome da esquerda nacional após a ditadura, fundador e líder do PT, Lula canalizou a vontade de mudança do eleitorado brasileiro. Mas, depois de eleito, decidiu manter as diretrizes econômicas adotadas por seu antecessor, focadas na contenção da inflação, na obtenção de superávits primários para pagar as dívidas e nos juros elevados, ao mesmo tempo que desenvolvia políticas dirigidas para o combate à miséria, como o Fome Zero.
No âmbito político, em nome da governabilidade, Lula também se aproximou de partidos de direita e se uniu com adversários históricos, como José Sarney, Antônio Carlos Magalhães e Paulo Maluf. Então, em 2005, surgiu o mais grave escândalo de seu mandato, chamado de mensalão (destinação de dinheiro ilegal para deputados apoiarem o governo). No final desse ano, dois importantes deputados haviam sido cassados – o líder petista José Dirceu e o petebista Roberto Jefferson –, vários ministros haviam caído – entre os quais o próprio Dirceu (Casa Civil) e Luiz Gushiken (Comunicações) – e afastaram-se de seus cargos importantes dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT) – José Genoíno, presidente; Delúbio Soares, tesoureiro; e Sílvio Pereira, secretário-geral.
O desdobramento da crise levaria o presidente Lula à sua pior taxa de avaliação: em outubro de 2005, apenas 28% dos brasileiros classificavam sua gestão como ótima/boa. No início de 2006, quando tentaria a reeleição, as pesquisas começavam a apontar a inversão da curva descendente. Com taxa de aprovação de 52% de ótimo/bom, Lula conseguiu se reeleger, mesmo com dificuldades.
Em seu segundo mandato, marcado pelo reforço na presença do Estado na economia e por uma política de distribuição de renda, o Brasil viveu anos de crescimento sustentado, avanços sociais e relativa tranquilidade política. De 2003 a 2009, saíram da pobreza extrema 27,9 milhões de brasileiros, que viviam com menos do que um quarto de salário mínimo por mês. Durante os oito anos de governo Lula, o salário mínimo teve valorização, em média, de 5,8% ao ano, de acordo com o relatório Panorama Laboral da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O resultado foi uma valorização do salário mínimo acima do crescimento do PIB (produto interno bruto), o que desencadeou efeitos de redistribuição importantes e contribuiu para a redução dos níveis de pobreza. À expansão da economia e das exportações somou-se a descoberta das gigantescas reservas de petróleo no pré-sal, que abre novas e importantes perspectivas para o futuro da economia brasileira.
Dilma e a continuidade
Dilma Rousseff (PT) tornou-se, em 1º de janeiro de 2011, a primeira mulher a presidir o Brasil. A nova governante reeditou a ênfase no combate à miséria de seu antecessor e padrinho político, Lula. O enfrentamento da desigualdade por meio da ampliação de programas como o Bolsa Família, além de manter os reajustes do salário mínimo acima da inflação, trouxeram para o mercado interno um setor da população alijado até mesmo de itens básicos de consumo.
No início de seu governo, Dilma enfrentou dificuldades políticas: sete ministros de diferentes partidos, como PMDB, PR, PT, PDT, PP e PCdoB, tiveram de deixar seus postos após sofrerem acusações de corrupção.
Novos ventos atingiram o país em 2013. O Brasil foi palco da maior onda de manifestações desde o Fora Collor, em 1992. Iniciados contra o aumento das tarifas de ônibus, os protestos se espalharam pelo país e agregaram um mosaico de reivindicações. A força do movimento levou as autoridades a se manifestarem, incluindo a própria presidente Dilma, que deu uma resposta às ruas na forma de propostas para as áreas de educação, saúde, transporte urbano e controle de gastos públicos, além da realização de um plebiscito popular para criar uma Constituinte exclusiva e fazer uma reforma política. A última proposta, porém, provocou uma chuva de reações contrárias na cúpula da política brasileira e não foi levada adiante.
As manifestações populares evidenciaram que há um fosso entre os anseios de milhões de brasileiros e a postura dos seus representantes legais, sobretudo os eleitos para o Congresso Nacional. Esse descontentamento está presente na vida nacional e deve provocar impactos no cenário político em 2014, ano de eleições gerais.
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Prof. Sérgio Torres