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terça-feira, 16 de setembro de 2014

BRASIL VAI MUDAR???



O Brasil não via manifestações políticas tão grandes desde 1992. Em junho de 2013, as ruas brasileiras foram ocupadas por milhões de pessoas, em sua maioria jovens, que expressaram um profundo descontentamento com os rumos do país. Em vez das faixas com as reivindicações organizadas de sindicatos ou entidades estudantis, muitos carregavam cartazes feitos à mão, registrando suas demandas pessoais, sua raiva e sua criatividade. Numa escrita improvisada, mas firme, conclamavam os demais: “Vem pra rua!”
Os atos, cujo estopim foi o movimento pela redução das tarifas de transporte, rapidamente incorporaram outras demandas. Iniciados às vésperas da Copa das Confederações, protestaram contra os gastos públicos com a Copa, em detrimento de investimentos, sobretudo, em saúde e educação. Um cartaz trazia: “Abaixa a tarifa e manda a conta pra Fifa”.
Em vez de intimidar, a dura repressão da Polícia Militar, que atirou bombas de gás lacrimogêneo em manifestantes e disparou balas de borracha, acabou funcionando como combustível para aumentar ainda mais a revolta. Muitas pessoas passaram a ir aos atos em protesto contra a violência policial. Com bom humor, um cartaz desafiou os policiais: “Odeio bala de borracha. Joga um Halls”.
 

Junho quente


O pano de fundo dos protestos foi a elevação nas tarifas de ônibus urbanos no Brasil nos últimos anos. Os governantes costumam afirmar que a prioridade nas cidades deve ser o transporte público. Mas, de fato, a variação dos custos de transporte medidas pelo IPCA mostra que as tarifas de ônibus subiram 192% entre 2000 e 2012, bem acima da inflação (125%) e muito mais do que os gastos com carro e moto (44%). Na prática, o transporte individual ganhou terreno, e a situação piorou para os que usam o coletivo.
Em São Paulo, as tarifas de ônibus, metrô e trens urbanos foram elevadas de R$ 3,00 para R$ 3,20 em 1º de junho. Após o anúncio do aumento, pipocaram protestos em bairros, até a primeira manifestação chamada pelo Movimento Passe Livre (MPL), em 6 de junho, no centro da cidade. Os alvos eram multipartidários: o prefeito Fernando Haddad (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB). A prefeitura responde pelos ônibus, enquanto a atribuição de administrar metrô e trens é do governo estadual.
Quando as manifestações paulistanas começaram, já haviam ocorrido em Natal (RN), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS) – e, nesta última, conseguiram a redução da tarifa. Nos dias 7 e 11, novos atos reuniram milhares de pessoas na capital paulista. A principal reivindicação: revogação do aumento da tarifa. A tensão subia, havia atos de vandalismo, e as autoridades mantinham-se impassíveis.
No dia 13, o quarto ato foi marcado pela extrema violência policial. Jovens foram presos antes mesmo de qualquer manifestação, pelo simples fato de portarem vinagre – que alivia os efeitos do gás lacrimogêneo. Na hora da passeata, a Tropa de Choque atacou, sem que tivesse havido antes qualquer agressão por parte dos manifestantes. Mais de cem pessoas saíram feridas, algumas com gravidade.
A indignação com a violência se espraiou por amplos setores da sociedade. As redes sociais, como o Facebook e o Twitter, principais ferramentas para a convocação dos primeiros atos, potencializaram a revolta. Muita gente que não se sensibilizava com o preço do transporte resolveu ir às ruas.
Os 65 mil manifestantes calculados no Largo da Batata, ponto de concentração, no fim da tarde de 17 de junho, passaram a centenas de milhares que ocuparam diferentes locais da cidade de São Paulo por horas a fio. A pauta dos participantes foi além do transporte, expressando indignação com a situação do Brasil. De acordo com pesquisa do Datafolha, 71% dos presentes diziam participar pela primeira vez do protesto. A maioria tinha idade entre 26 e 35 anos, e 85% buscaram informações sobre o ato pela internet.
O recuo do governador e do prefeito, dois dias depois, anulando o aumento das tarifas, inflou ainda mais o ânimo popular. Em outras cidades, também houve redução nos preços das passagens, mas isso não levou as pessoas a voltar para casa. Em 20 de junho, as manifestações no país atingiram o auge. Mais de 1 milhão de pessoas saíram às ruas. Ao menos 388 cidades brasileiras tiveram protestos, incluindo 22 capitais, segundo a Agência Estado.
Com sua amplitude e diversidade, as multidões exprimiram um anseio de mudança. A convocação por redes sociais e a falta de eixos claros, sobretudo a partir de 20 de junho, fizeram das manifestações uma expressão de descontentamento profundo, mas com motivações variadas, às vezes conflitantes entre si.
 

Mosaico reivindicativo


Depois que os atos se espraiaram, transbordando o movimento original e dando vazão a inúmeras questões, ficou difícil identificar as reivindicações precisas que moviam as pessoas. Houve até o manifestante que escreveu: “Tem tanta coisa errada que nem cabe num cartaz”.
De norte a sul, a reclamação sobre a saúde e a educação dominou os cartazes, além da questão dos transportes. São três áreas vitais para o bem-estar dos brasileiros, que exigem investimentos públicos de vulto. Mesmo considerando que houve melhoras nos últimos anos nessas áreas, é senso comum que as redes públicas de escolas e hospitais prestam serviços com qualidade muito inferior à das instituições privadas, às quais têm acesso somente uma elite.
Nesse cenário, a preparação da infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014 catalisou sentimentos contraditórios. Junto com o orgulho de sediar um dos maiores eventos globais, relativo ao esporte preferido dos brasileiros, veio o gosto amargo frente aos enormes gastos com estádios que não terão muita utilidade após a competição. Além disso, o acordo com a Fifa dá a essa entidade, que dirige o futebol internacional, exclusividades comerciais e poderes que, em muitos aspectos, se sobrepõem às leis nacionais – e tudo adequado a um padrão imposto em sua cartilha.
O fato de a Fifa beneficiar um pequeno grupo ligado a ela no Brasil, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), entidade privada, provoca denúncias de favorecimento indevido com o uso farto de dinheiro público. Nos protestos de junho, a indignação com tudo isso apareceu forte, e com muita ironia. Os manifestantes pediam escolas ou hospitais “padrão Fifa”. Com isso, chamavam a atenção para a necessidade de que os serviços públicos recebam os mesmos cuidados que cercam a construção dos estádios. Esse aspecto simbólico prevaleceu entre os manifestantes, por mais que, em termos numéricos, os gastos diretos do setor público com a Copa do Mundo totalizem valores que são uma pequena fração do que o país dispende, anualmente, com as áreas sociais.
Nenhum partido político, da situação ou da oposição, de direita ou de esquerda, capitalizou os atos ou pôde dizer que expressava o sentimento dos participantes dos protestos. Mais do que isso, houve manifestações em que todos os partidos políticos foram hostilizados, com seus apoiadores obrigados a abaixar bandeiras e com palavras de ordem como “Políticos não me representam” ou “O povo unido não precisa de partido”.
Isso trouxe preocupações, pois, ao negar os partidos e os políticos – eventualmente para mostrar o descontentamento com o atual cenário brasileiro –, manifestantes se insurgiram contra as instituições e contra a forma contemporânea da democracia. Na vida em sociedade, a defesa de propostas referentes aos destinos do Estado se organiza por grupos de pessoas que propõem um programa que atenda à sua classe ou ao seu segmento social. Essa é a ideia de um partido político. Pela via eleitoral, o povo escolhe as propostas de sua preferência, elegendo seus representantes no governo e nas câmaras parlamentares. As ruas mostraram, na prática, um grande distanciamento entre a multidão e seus representantes institucionais.
Outra questão que surgiu, em faixas e cartazes, foi o “Não à PEC 37”. A rejeição era dirigida à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 37, que tramitava no Congresso Nacional, explicitando a diretriz constitucional de que cabe às forças policiais fazer investigações criminais. A PEC 37 tinha o objetivo de restringir as ações de investigação que o Ministério Público (MP) realizou nos últimos anos, destacando-se em assuntos de projeção nacional.
O seu conteúdo de natureza complexa, porém, não chegou a ser amplamente compreendido. Para a maioria das pessoas, seria a “PEC da impunidade”. Entre os argumentos favoráveis à PEC, está a ideia de que quem acusa – atribuição central do MP – não deve ter a prerrogativa de investigar, sob pena de contaminar a investigação, o que pode ferir liberdades públicas e individuais e colocar em risco o próprio processo legal. A pressão foi vitoriosa: em sessão extraordinária, a Câmara dos Deputados rejeitou a PEC 37 por 430 votos contrários, com nove a favor, em 25 de junho.
 

Cenário instável


Concentrados em junho, os atos estenderam-se, com menor intensidade, nos meses seguintes. Os movimentos sociais organizados, que estiveram praticamente ausentes das manifestações iniciais, voltaram às ruas nas semanas seguintes. Em 11 de julho, atos convocados pelas centrais sindicais em várias cidades do país reuniram cerca de 100 mil pessoas – muito menos do que os atos de junho, mas acima do que os sindicatos agrupavam nos últimos tempos. No segundo semestre de 2013, protestos pulularam pelo país pelos mais diversos motivos – como campanhas salariais, reivindicações estudantis ou movimentos por questões de habitação, transporte ou contra ações da polícia.
Um elemento de preocupação que acompanhou o desenvolvimento dos atos, em particular aqueles de menor dimensão, foram momentos de eclosão de violência, com enfrentamento entre manifestantes e policiais, e de depredação de prédios públicos e privados. Adeptos da tática chamada de “black bloc”, que realizam protestos violentos e ataques a empresas e símbolos do capitalismo, passaram posteriormente a ocupar lugar de destaque em atos públicos. Em várias ocasiões, enfrentaram até mesmo manifestantes contrários a suas práticas, que defendiam protestos pacíficos.
Quando as manifestações estavam no auge, em junho, as autoridades, em todos os níveis, sentiram-se sob forte pressão. De forma aberta ou dissimulada, declararam-se perplexas com algo fora das previsões. E, se todos concordam que os governos devem refletir a vontade popular, saltou aos olhos, em todo esse movimento, o enorme distanciamento entre as ruas e as instituições de estado.
O barulho das ruas chegou até o Palácio do Planalto. Buscando apresentar respostas à situação, em 24 de junho, a presidente Dilma Rousseff (PT) propôs a governadores e prefeitos “cinco pactos” tratando de educação (destinação de recursos da exploração do petróleo), saúde (mais investimentos na estrutura e contratação de médicos estrangeiros), transporte urbano (mais metrô e ônibus), compromisso de respeito ao teto dos orçamentos públicos e um plebiscito relativo a uma Constituinte para fazer uma reforma política. Algumas coisas prosperaram, outras não.
Uma coisa, porém, é certa: os atos de junho de 2013 mostraram um fosso colossal entre os manifestantes e suas representações institucionais. O movimento amainou em seguida, mas nada indica que chegou ao fim. Como uma onda, avançou e recuou, mas pode vir de novo mais à frente, pois as demandas estão aí e esperam por respostas efetivas. Como dizia um cartaz: “Desculpe o transtorno. Estamos mudando o Brasil”.

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Prof. Sérgio Torres