Nascida há 26 anos, a internet encurtou distâncias e facilitou
globalmente o acesso à informação. Isso vem provocando grandes mudanças.
Mas, não por acaso, sua estrutura expressa uma das características do
mundo contemporâneo: o domínio dos Estados Unidos no cenário
internacional como uma potência hegemônica. As denúncias de espionagem
mostraram o enorme poder que o Estado norte-americano possui na rede
mundial de computadores, e isso é uma marca sua desde o berço.
O surgimento da internet, nos anos 1960, está relacionada ao contexto
da Guerra Fria, período do pós-guerra, entre 1945 e 1991, em que os
Estados Unidos (EUA) e a União Soviética (URSS), liderando blocos
ideológicos antagônicos, disputavam a hegemonia econômica e a influência
política, militar, ideológica e até esportiva em todos os continentes.
O início da internet
PERSEGUIDO - Julian Assange, na embaixada do Equador em Londres: com seu site, WikiLeaks, divulgou documentos secretos do governo dos EUA
Crédito:
Carl Court/AFP
No ambiente de tensão da época, crescia no Departamento de Defesa dos
EUA a preocupação com o fato de que toda a comunicação das Forças
Armadas norte-americanas estava centralizada em um único computador, no
complexo do Pentágono, em Washington. Para evitar que o sistema militar
pudesse entrar em colapso na hipótese de um ataque soviético, um órgão
ligado ao Departamento de Defesa, a Agência de Projetos em Pesquisas
Avançadas (Arpa, na sigla em inglês), desenvolveu um projeto de
interligação de computadores de várias universidades norte-
americanas. Essa rede, sem um centro definido, foi batizada de Arpanet,
e entrou em operação em 1969. No decorrer da década seguinte, seu
alcance se expandiu para outras universidades, com uma capacidade de
transmissão e troca de informações ainda pequena, baseada no uso de
telefones analógicos.
A partir dos anos 1980, com o desenvolvimento da fibra óptica, as
possibilidades de conexão melhoram muito, abrindo espaço para a
viabilização de uma rede de uso civil mais ampla. Paralelamente, crescia
o número de computadores pessoais. Entre 1987 e 1997, o número de PCs
conectados no planeta saltou de 10 mil para 10 milhões.
Além dos avanços na transmissão de informações, a padronização da forma
de troca de dados foi fundamental para expandir a rede. Em 1989, o
engenheiro inglês Tim Berners-Lee, do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear
(Cern), criou um padrão para organizar informações em texto e imagem: o
formato de hipertexto (textos conectados através de links) foi
responsável por manter as informações interligadas e permitir a consulta
de dados em outros documentos sobre o mesmo assunto. É a origem do
http, abreviação em inglês para “protocolo de transferência de
hipertexto”.
Ainda no início da década de 1990, Berners-Lee lança a “world wide web,
ou www” – a rede mundial de computadores –, que logo se transforma no
sistema pelo qual circulam as informações organizadas em hipertexto em
todo o planeta. O impulso que faltava para a disseminação da internet
vem com o surgimento de programas específicos de navegação pela rede
para computadores pessoais, como o Netscape (1994) e o Explorer (1995).
Entre o fim dos anos 1990 e o início do século XXI, a expansão da
internet é marcada principalmente pelo crescimento dos sites de busca,
que vasculham a rede por meio de seus algoritmos (veja box na página ao
lado) atrás de assuntos de interesse do internauta e os apresentam por
ordem de relevância, segundo critérios nem sempre claros. O Google,
criado por Sergey Brin e Larry Page em 1998, em poucos anos passou a
dominar o segmento de ferramentas de buscas.
À medida que a internet se expande, amplia-se sua estrutura física, com
cabos transoceânicos, servidores e provedores, boa parte deles mantidos
em território norte-americano. A partir de meados da década de 2000, um
novo tipo de site começa a conquistar espaço com o lançamento do
MySpace (2003), do Orkut (2004), do Facebook (2004) e do Twitter (2007).
É o início da expansão das redes sociais, sites em que os internautas
cadastram amigos e formam teias de relacionamento. Lançado por Mark
Zuckerberg, um estudante da Universidade Harvard, o Facebook disputa
atualmente com o Google o título de site mais acessado do planeta.
Outro tipo de sites são os chamados colaborativos, em que o conteúdo é
construído pelos próprios usuários da rede de forma pública e gratuita,
como a Wikipedia, criada em 2001. Foi por meio do site colaborativo
WikiLeaks, criado e dirigido pelo australiano Julian Assange, que foram
divulgados documentos secretos dos EUA com interesse político global:
dezenas de milhares de documentos sigilosos da diplomacia do país
enviados para o site revelaram segredos sobre guerras, negociações
secretas e avaliações sobre outros países, entre muitos assuntos. A
divulgação causou crises não só no governo norte-americano, mas, pela
gravidade das questões tratadas, em muitos outros, incluindo o
brasileiro. Perseguido por vários governos, Assange acabou se refugiando
na embaixada do Equador em Londres desde junho de 2012, e, assim como
Snowden, pode ser julgado por espionagem, fraude e abuso de informação,
caso seja extraditado para os Estados Unidos.
Paradoxalmente, as autoridades norte-americanas teriam retirado
informações privadas sobre internautas do mundo todo nas grandes
empresas de tecnologia, como Google, Facebook, Microsoft, Yahoo!,
America Online (AOL) e Apple, sob o pano da defesa da segurança
nacional.
Terra sem lei
Cerca de um terço da humanidade atualmente usa a internet: são mais de 2
bilhões de pessoas. Com tanta gente conectada em uma rede que existe há
poucos anos e cresce numa velocidade espantosa, abriu-se um grande
terreno para o lazer, os negócios, a educação e a cultura, mas também
para atividades ilegais e criminosas. Ainda não houve tempo para que as
leis deem conta dessa nova realidade. Não houve tempo nem para um
consenso amplo sobre tudo o que é ou não lícito, moral ou ilegal em
termos virtuais. De certa forma, todos ainda estão aprendendo a se
relacionar com esse novo ambiente.
O comércio ilegal de armas ou a pedofilia é crime na internet ou fora
dela. Violar a privacidade alheia era ilegal há 30 anos, e continua
sendo agora. As leis existem, mas têm de ser aprimoradas para se
adequarem à nova realidade.
A preocupação com esse problema é internacional. Vários países
apresentaram, recentemente, a ideia de avançar em uma regulamentação
global para o uso da rede de computadores, temerosos com a violação da
privacidade de internautas, a facilidade para articulação de ações
criminosas e a possibilidade de espionagem em larga escala.
A União Europeia enviou a governos de todo o mundo, em fevereiro de
2014, uma proposta para a restruturação da internet visando a reduzir o
poder dos EUA na rede. O intuito é descentralizar a organização
responsável pela distribuição de domínios na rede, a Corporação para
Atribuição de Nomes e Números na Internet (Icann), com sede nos EUA, e
transformá-la num órgão internacional. A Icann é uma entidade sem fins
lucrativos, subordinada ao governo norte-americano, e segue as leis do
país. Para administrar a internet, os europeus querem o fortalecimento
de entidades globais e a criação de novos organismos multilaterais.
No Brasil, o debate sobre as regras da internet ganhou força em 2013,
com a tentativa de aprovação na Câmara dos Deputados do chamado Marco
Civil da Internet, uma espécie de Constituição do setor. Após iniciativa
do Ministério da Justiça, o Projeto de Lei nº 2.126 foi apresentado à
Câmara dos Deputados em agosto de 2011. Sua aprovação virou prioridade
para o governo federal a partir de junho de 2013, quando estourou a
denúncia de espionagem dos Estados Unidos: nesse momento, a aprovação do
Marco Civil virou uma forma de o governo brasileiro reagir à situação.
No final de 2013, foram incluídos no projeto artigos que obrigam grandes
sites e provedores de acesso à internet a manter centros de dados em
território nacional para armazenar por aqui as informações sobre a
navegação dos brasileiros. A ideia é dificultar o monitoramento de
outros países, principalmente dos EUA.
Logo, a proposta foi criticada por sua eficácia duvidosa, pois mesmo
empresas internacionais que já armazenam dados em nosso país replicam
essas informações em servidores no exterior. De fato, acabar com atos de
espionagem seria difícil, mas a simples obrigatoriedade de armazenar
dados no Brasil poderia levar as empresas que atuam no país a responder à
Justiça brasileira, caso aconteçam vazamentos de informações.
Neutralidade na rede
Se o armazenamento de dados entrou no debate do Marco Civil de última
hora, outro ponto causou polêmica desde o início da elaboração da lei.
Trata-se da definição sobre a neutralidade na rede, questão que envolve
as formas de cobrança que podem fazer as empresas que oferecem acesso à
internet – principalmente as telefônicas.
Pressionadas a investir em melhorias na infraestrutura e vendo usuários
consumirem dados cada vez mais pesados – como vídeos e serviços de voz
–, as teles passaram a estudar cobranças pelo tipo de conteúdo que o
usuário utiliza, e não só de acordo com a velocidade de conexão, como
ocorre hoje. Elas planejam desenhar pacotes que poderiam, nos modelos
mais simples, oferecer acesso só a e-mails e redes sociais, restringindo
a navegação. “Quem usa mais deve pagar mais, como ocorre com a água e
com a luz”, afirmou Eduardo Levy, do Sindicato Nacional das Empresas de
Telefonia, em debate na Câmara dos Deputados em novembro de 2013.
Principal ponto defendido pelo governo no projeto de lei, a neutralidade
serviria para impedir esse tipo de cobrança, garantindo que todos os
conteúdos e usuários da internet sejam tratados da mesma maneira – em
outras palavras, de forma neutra.
Para os defensores da neutralidade – incluindo órgãos de defesa do
consumidor –, a cobrança por tipo de conteúdo provocaria exclusões no
ambiente da web, impedindo que a população de baixa renda tenha acesso
aberto à rede. Também abriria a possibilidade para um controle do
conteúdo disponível para os internautas: portais e sites maiores
poderiam fechar acordos comerciais com as teles para obter prioridade na
circulação de seus serviços dentro dos pacotes oferecidos. Em defesa do
conceito de neutralidade da rede, também no debate na Câmara dos
Deputados, Demi Getschko, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI.br), usou uma analogia: “Não há nada de anormal na neutralidade. Os
elevadores de um prédio são neutros. Os moradores do local pagam a
mesma taxa de condomínio, independentemente do número de vezes que
utilizam o serviço”.
A neutralidade da rede e o armazenamento de dados são os temas que mais
geraram polêmicas nas discussões do Marco Civil – que prosseguiam no
Congresso no começo de março de 2014. Mas a nova legislação não se
resume a isso. Ela servirá também para tornar mais claros conceitos
envolvendo a liberdade de expressão na internet – podendo isentar sites e
portais por conteúdos postados por terceiros, como comentários de
internautas – e o direito à privacidade – garantindo a inviolabilidade e
o sigilo sobre as informações dos usuários, que só poderiam ser
quebrados por ordem judicial.
Como funciona um algoritmo?
Como o computador faz as tarefas exatamente como você quer? A resposta
para esta pergunta é mais simples do que parece: ele segue as
instruções. Para que consiga entender o que o usuário quer, ele precisa
de uma linguagem específica.
Para fazer essa interação entre homem e
máquina, foram desenvolvidas as linguagens de programação, que usam uma
ferramenta lógica: os algoritmos. Um algoritmo nada mais é do que uma
receita passo a passo dos procedimentos necessários para a resolução de
uma tarefa. Em termos mais técnicos, é uma sequência lógica e definida
de instruções a serem seguidas para resolver um problema ou executar uma
tarefa.
#sergiorbtorres
Forte abraço,
Prof. Sérgio Torres
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