Coordenador do #MUSEUdeMEMES, Viktor Chagas, da Universidade Federal Fluminense, revela os costumes da fauna “memeística” brasileira
Os memes ganharam um novo habitat: o meio acadêmico. Pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) vão direto a campo — a internet — para coletar, registrar e analisar as constatações de Glória Maria, os ensinamentos de Gretchen e quaisquer outras piadas e movimentos virais produzidos e espalhados pelos brasileiros na rede.
Trata-se do #MUSEUdeMEMES. Pode estranhar, a ideia é essa mesma. Como afirma o coordenador Viktor Chagas, que é doutor em História, Política e Bens Culturais/Cpdoc-FGV, o projeto lança uma série de provocações. “A ideia é questionar o lugar do museu, o lugar da cultura popular”, explica ele a GALILEU.
O projeto, que começou como um grupo de pesquisa, em 2011, e finalmente virou um site, em 2015, já conta com mais de 300 livros e artigos dedicados ao tema, além de entrevistas com criadores de memes famosos e catalogação das obras — sim, obras. O catálogo inclui não só pesquisas brasileiras, mas também de outras partes do mundo, como Rússia, Israel e Hungria. E os pesquisadores se dividem em vários temas, que vão desde política a telenovelas e esportes.
Quando perguntado sobre a importância de manter um museu de grandes “memeidades”, Chagas rebate com uma história. “Na universidade, tínhamos um convênio com a Wikipédia, no qual, em vez de produzir textos para que os professores engavetassem, os alunos escreviam verbetes que ficavam disponíveis para o público”, conta ele. “Em um momento, sugeri fazermos um verbete sobre memes. Então, uma professora respondeu: ‘Nós estamos discutindo o caráter de uma enciclopédia virtual, o conteúdo que circula deve ser de relevância, e eu acho que falar de memes não cabe aqui.”
Para defender seu ponto, Chagas olhou para a própria Wikipédia. O professor mostrou que o verbete em inglês do narrador Galvão Bueno contava com uma extensa passagem sobre o fenômeno “Cala a boca Galvão”, que se popularizou em 2010. Já em sua versão brasileira não existia uma linha sobre o assunto.
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“Eu falei que, talvez, muitas pessoas conhecessem o Galvão por causa desse episódio. Tem até uma pesquisadora inglesa que se referiu a isso como a maior piada interna do mundo. É uma piada nossa, que o mundo reconhece, mas que a gente ignora como fonte de estudo”, diz Chagas. Para ele, o projeto parte, portanto, de uma preocupação em documentar uma memória que está se perdendo.
O coordenador revela que mesmo entre os pesquisadores de cultura popular (de expressões como o funk e o pixo) existe uma desconfiança em relação aos estudos de memes. “Não chega a ser preconceito, mas um olhar enviesado”, explica. “É claro que a gente tem esse viés da zueira, mas o que fazemos, de fato, é tentar entender o desdobramento do cenário político brasileiro, nossa conjuntura a partir da recepção dos internautas. É uma tentativa de compreender a nossa realidade social, que vai muito além do aspecto lúdico.”
A seguir, o coordenador, que se identifica como Success Viktor na página do projeto — em referência ao meme do “success kid” —, revela alguns costumes da riquíssima fauna “memeística” brasileira:
Qual é a diferença da nossa cultura de memes em relação aos outros países?
Uma coisa que tenho percebido tem a ver com os direitos autorais. A gente teve esse boom de redes sociais com perfis autorais, por exemplo. Começamos a criar um cultura que trabalha em cima dessa dinâmica de memes com um autor. Os exemplos são páginas de novela, como Félix Bicha Má, ou políticas, como a Dilma Bolada.
Já nos EUA, os memes que circulam por lá são em grande maioria anônimos. Eles vêm, no geral, de microcomunidades virtuais muito restritas. Não existe a menor possibilidade de descobrir o criador. Mas a gente tem um investimento que talvez seja calcado menos no politicamente incorreto, como acontece nessas microcomunidades norte-americanas, que são baseadas numa relação de anonimato.
Em entrevista a GALILEU, a editora-chefe do BuzzFeed Brasil, Manuela Barem, disse que os memes brasileiros são mais refinados, como os gif com legenda da Gretchen. Você concorda?
Nos EUA, essas microcomunidades, como o 4Chan, o Reddit e o 9gag, se articulam com uma estética particular: eles investem mais no caráter tosco. Acredito que, no Brasil, a gente acaba sofisticando porque pegamos a internet em um outro momento, quando as redes sociais já estavam consolidadas.
Além disso, nossa relação com a TV é muito forte. Temos esse elemento da cultura pop televisiva, que tem uma lógica mais audiovisual. Pegamos essa produção de memes em um momento no qual os gifs já evoluíram como linguagem, como estética. Isso porque eles eram muito diferentes há alguns anos, em relação à quantidade de frames e resolução, por exemplo.
Tudo isso acabou configurando um conjunto de peculiaridades que nos distinguem em relação aos outros. E também temos um caráter cultural muito forte que é esse de atrelar as coisas, por mais sofridas que sejam, ao humor. Isso repercute inclusive na política.
Os memes políticos conseguem exercer uma pressão relevante?
Isso tem bastante a ver com o que eu tenho estudado. Acredito que a gente subestima o papel desse tipo de brincadeira política. Fizemos um mapeamento do “vomitaço” que aconteceu especialmente na página do PMDB, por exemplo. Observamos que, só na primeira campanha que foi algo espontâneo, em um intervalo de 24 horas, tivemos mais de 540 mil emojis postados num conjunto de 29 posts. É um volume muito grande. Na pior das hipóteses, isso causa um transtorno, pelo menos, para o administrador da páginas, além do constrangimento à imagem do canal.
Os memes podem então ajudar a mudar a nossa percepção sobre o ativismo de sofá?
É um mecanismo de pressão muito similar ao que acontece quando as pessos vão à rua. O que acontece é que é muito mais difícil reprimir um movimento online do que aquele da rua. Lá, você bota a polícia, com cacete, com gás lacrimogêneo. Já para um movimento online ser contido você precisaria derrubar o Facebook, ou criar um mecanismo que conte com o apoio de um parceiro da iniciativa privada. É complicado. Acho que tem uma série de questões que a política precisa olhar com mais profundidade para entender melhor o cenário.
Os memes ajudam a gente a problematizar essa noção de ativismo de sofá. Não digo que executar uma ação online seja menos custoso do que ir às ruas e tomar porrada da polícia. Mas, por outro lado, o impacto que esse tipo de ação causa não deve ser menosprezado.
Prof. Sérgio Torres
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Prof. Sérgio Torres