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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019
Newton e o Método dos Fluxos
Matematicamente, o século XVII já reunia condições para a criação do cálculo diferencial e integral como disciplina independente da geometria — a álgebra simbólica e a geometria analítica, produtos recentes, propiciavam esse avanço. Por outro lado, os grandes problemas científicos da época requeriam um instrumento matemático mais ágil e abrangente que o método de exaustão.
Esses problemas eram principalmente quatro. O primeiro consistia em achar velocidade e aceleração de um móvel, conhecida a lei algébrica relacionando espaço percorrido e tempo (e vice-versa). O segundo dizia respeito à determinação de tangentes a curvas (questões de óptica por exemplo, levavam a essa preocupação). O terceiro envolvia cálculos de máximos e mínimos (por exemplo, qual a máxima e qual a mínima distância de um planeta ao Sol?).
Por fim, a obtenção de coisas como comprimentos, áreas, volumes e centros de gravidade, para as quais o método de exaustão exigia muita engenhosidade. Vários matemáticos do século XVII enfrentaram esses problemas, alguns com contribuições de grande porte. Dentre estes, porém, dois se sobressaíram, cada um a seu modo, com papel decisivo: Newton e Leibniz.
Isaac Newton (1643-1727) nasceu na aldeia de Woolsthorpe, Inglaterra, filho póstumo de um pequeno sitiante da localidade. Ele próprio estava fadado ao mesmo destino, não fora a habilidade demonstrada em menino para a construção de engenhos mecânicos.
Assim, mesmo não revelando nenhum brilho especial na escola pública em que ingressou aos 12 anos de idade, em 1661 chegava ao Trinity College, Cambridge, onde se graduaria em ciências quatro anos depois. A peste bubônica que assolou Londres a seguir levou-o a passar os dois anos seguintes em sua aldeia natal. Foi nesse período que engendrou as bases científicas do método dos fluxos (hoje cálculo diferencial) e da teoria da gravitação universal.
Em 1669, dois anos após ter retornado a Cambridge para obter o grau de mestre, sucede Isaac Barrow (1630-1677) no Trinity College (por indicação do próprio Barrow, seu ex-professor). Somente em 1696 deixaria sua cadeira em Cambridge a fim de exercer funções públicas de alto nível em Londres.
Numa monografia de 1669, que só circulou entre seus amigos e alunos (apenas em 1711 foi publicada), Newton expôs suas primeiras ideias sobre o cálculo.
Mas a exposição de Newton pecava quanto ao rigor lógico. Numa segunda versão em 1671 (só publicada em 1736) considera suas variáveis, às quais chamou de fluentes, e indicou por x, y, ..., geradas por movimentos contínuos. A taxa de variação de um fluente xéo que Newton chamou defluxo de x e indicou por x. Foi esta versão, porém numa linguagem geométrica, que Newton incluiu em sua obra-prima, os Principia. Em três volumes (o último de 1687), esta obra mostra, pela força do cálculo, como a lei da gravitação implica os movimentos em elipse dos planetas, conforme as leis de Kepler, além de abrir caminho para uma descrição matemática do Universo.
A questão do rigor no cálculo ainda mereceria a atenção de Newton, num trabalho de 1676 — mas sem resultados significativos. Quase dois séculos decorreriam até que o assunto fosse posto em pratos limpos quanto à sua fundamentação lógica.
Mas a essência dessa fundamentação, a teoria dos limites, estava em sua obra, na ideia de taxa de variação. De qualquer maneira, a obra de Newton é um monumento científico. Outros iriam cuidar dos acabamentos.
Prof. Sérgio Torres
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019
Cauchy e Weierstrass: o Rigor Chega ao Cálculo
O cálculo, tal como foi deixado por Newton e Leibniz, carecia quase totalmente de estruturação lógica. E nos 150 anos seguintes muito pouco mudou quanto a esse aspecto. Embora houvesse consciência, em todo esse tempo, da necessidade de demonstrações e justificativas, estas frequentemente não correspondiam aos padrões atuais de rigor, apelando demasiado para a intuição geométrica.
Assim é que por muito tempo a confiança no cálculo derivava sobretudo de sua eficácia. Um episódio envolvendo o matemático e astrônomo Edmund Halley (1656-1742) e o bispo George Berkeley (1685-1753) ilustra bem essa situação.
O primeiro, talvez movido por concepções materialistas inspiradas na ciência da época (em que o cálculo tinha papel especial), teria convencido alguém em seu leito de morte a recusar o consolo espiritual que lhe seria ministrado por Berkeley. Este, exímio polemista, expressou sua irritação num livro de 1734 intitulado O analista: ou um discurso dirigido a um matemático infiel, no qual provou de forma irrefutável que o cálculo àquela altura era, tanto quanto a religião, matéria de fé.
Pois certamente não havia explicação para o fato de Newton, no seu Quadratura de curvas, operar algebricamente seguidas vezes com um incremento h e, ao fim, considerar nulos todos os termos envolvendo h (agora igualado a zero). E tampouco para aceitar que a razão dy/dx entre as diferenciais, segundo conceito de Leibniz, expressava a inclinação da tangente, e não a da secante (ver figura).
O desprezo das diferenciais superiores, sem nenhuma explicação convincente, levando a resultados correios, ensejava a Berkeley a observação "em virtude de um erro duplo chega-se, ainda que não a uma ciência, pelo menos a uma verdade".
D'Alembert (1717-1783), que em algum momento teria declarado "avante, e a fé lhe virá", sugerindo como enfrentar os mistérios do cálculo na época, vislumbrava porém que para sair desse estado era preciso estabelecer um método de limites.
Em 1784, a Academia de Ciências de Berlim instituiu um concurso, cujo prêmio seria conferido dois anos depois, sobre o problema do infinito em matemática. O edital manifestava o desejo da Academia de uma explanação sobre o porquê de muitos teoremas corretos serem "deduzidos de suposições contraditórias". O vencedor foi o suíço Simon L'Huillier, com o trabalho Exposição elementar do cálculo superior. Mas L'Huillier, que introduziu a notação dP/dx=lim (DP/Dx) para a derivada, pouca luz trouxe ao problema.
Seria só no século XIX, especialmente graças aos esforços de Augustin - Louis Cauchy (1789-1857) e Karl Weierstrass (1815-1897), que o assunto seria fundamentado com rigor.
Natural de Paris, Cauchy estudou na Escola Politécnica e, a despeito de seu grande talento para a ciência pura, chegou a encetar uma promissora carreira de engenheiro, abandonada em 1815 por razões de saúde. Nesse mesmo ano inicia-se como professor na Escola Politécnica — afinal, a essa altura, seu currículo já exibia vários trabalhos de valor no campo da matemática, o primeiro de 1811. No ano seguinte aceita sua indicação para a Academia de Ciências, mesmo sendo para o lugar de Monge, excluído por razões políticas. Mas era coerente: em 1830, com a expulsão de Carlos X, exila-se voluntariamente; já de volta à França há cerca de dez anos, em 1848 passa a ocupar uma cadeira na Sorbonne, da qual é excluído em 1852 por sua recusa em jurar fidelidade ao governo (em 1854 foi readmitido sem essa exigência).
Cauchy deixou cerca de 800 trabalhos entre livros e artigos, cobrindo quase todos os ramos da matemática, um feito talvez só superado por Euler. Mas suas contribuições mais significativas estão na área do cálculo e da análise, sempre pautadas pela preocupação com o rigor e a clareza. Um exemplo disso está na sua abordagem das séries, com o cuidado que dispensou à questão da convergência.
Seu Curso de análise, um livro-texto feito para a Escola Politécnica, apresenta a primeira definição aritmética de limite. A precisão com que dela decorrem conceitos básicos como os de continuidade, diferenciabilidade e integral definida seguramente marca o início do cálculo moderno. Mas Cauchy recorria com frequência a expressões como "aproximar-se indefinidamente" e "tão pequeno quanto se deseje", por exemplo, o que precisava ser quantificado convenientemente. Esse trabalho seria feito por Weierstrass.
Natural do povoado de Ostenfeld (Alemanha), Weierstrass era filho de um inspetor de alfândega autoritário que desejava vê-lo num alto posto administrativo — tanto mais que sua passagem pela escola secundária fora brilhante. Mas Weierstrass não deu essa alegria ao pai, embora tivesse ficado de 1834 a 1838 em Bonn matriculado no curso indicado (leis, que afinal não concluiu). Em 1839 habilitou-se para o ensino médio de Matemática em curso intensivo no qual teve como professor C. Guderman (1798-1852), especialista em funções elípticas, seu grande inspirador.
Paralelamente ao exercício do magistério secundário, Weierstras
lançou-se à pesquisa. E seus trabalhos pouco a pouco foram-no fazendo conhecido: em 1855 obtinha um doutorado honorário na Universidade de Kõnigsberg e em 1856 tornou-se professor da Universidade de Berlim, onde ensinaria nos 30 anos seguintes.
Weierstrass publicou pouco, comparado a Cauchy. Mas sua obra distingue-se pela qualidade e, em especial, pelo rigor. Os últimos resquícios de imprecisão que ainda acompanhavam os conceitos centrais do cálculo, como o de número real, função e derivada, por exemplo, foram eliminados por ele. No que se refere à teoria dos limites, sua grande arma foi a notação
A razão finalmente se impunha à fé.
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Descartes, o Primeiro Filósofo Moderno, e a Geometria Analítica
Ao iniciar-se o século XVII a geometria ainda representava o grosso da matemática. E na geometria, a contribuição de Euclides, que não ultrapassava as figuras envolvendo a reta e o círculo, predominava soberanamente. Além do mais, a geometria grega, carecendo de métodos gerais, "só exercitava o entendimento ao custo de fatigar enormemente a imaginação", conforme palavras de Descartes.
A época porém era de profundas transformações científicas e tecnológicas, razão pela qual impunha-se uma matemática mais integrada e operacional. O primeiro grande passo nesse sentido foi a associação da álgebra (que já vinha progredindo por si) com a geometria, empreendida independentemente por Fermat e Descartes, embrião da atual geometria analítica.
René Descartes (1596-1650) nasceu em La Haye, pequena cidade a sudoeste e a cerca de 300 km de Paris, província de Touraine. Seu pai, membro da pequena nobreza da França, decidiu desde logo investir em sua educação: matriculou-o, aos 8 anos de idade, no colégio jesuíta de La Flèche, cujo padrão de ensino era o que havia de melhor na época.
Descartes, porém, sempre teve saúde extremamente frágil, razão pela qual não lhe era cobrada no colégio a regularidade da frequência às aulas; foi nessa época que adquiriu o hábito de permanecer na cama de manhã depois de acordado, para leituras e meditações. Ao concluir seu curso em La Flèche, Descartes já se perguntava: há algum ramo do conhecimento que realmente ofereça segurança? E não vislumbrava como resposta senão a matemática, com a certeza oferecida pelas suas demonstrações. Desde muito jovem as preocupações de ordem filosófica se manifestavam nele.
Aos 20 anos de idade, já graduado em Direito pela Universidade de Poitiers, Descartes estabelece-se em Paris a fim de iniciar-se na vida mundana, como convinha a alguém da sua posição. Mas reencontra-se com Mersenne, que conhecera em La Flèche, e ei-lo em plena metrópole consagrando-se à matemática com todas as suas forças por um ou dois anos. A seguir, entra voluntariamente para a carreira das armas, a fim de conhecer o "mundo". A história não registra nenhum feito militar de Descartes; mas, segundo ele próprio, os delineamentos de sua filosofia surgiram quando servia no exército da Baviera. Em 1629, já desligado das armas, fixa-se na Holanda — um país em que havia mais liberdade de pensamento do que era usual na época — onde viveria os vinte anos seguintes.
Nesse período veio à luz sua geometria.
A obra-prima de Descartes é o Discurso do método, publicado em 1637, na qual expõe a essência de sua filosofia que, em suma, é uma defesa do método matemático como modelo para a aquisição do conhecimento. Essa obra inclui três apêndices, sendo um deles A geometria. As duas primeiras partes deste apêndice constituem uma aplicação da álgebra; a última é um texto sobre equações algébricas.
Já ao início de seu trabalho introduz a notação algébrica, hoje universalmente adotada: x, y, z, ... para as variáveis e a, b, c, ... para as constantes. Descartes pensava nas letras como segmentos de retas. Mas rompeu com a tradição grega ao admitir que x² (ou xx como escrevia) e x³ por exemplo, podiam ser interpretados também como segmentos de reta e não necessariamente como uma área e um volume. Com isso foi-lhe possível mostrar que as cinco operações aritméticas (incluindo a raiz quadrada) correspondem a construções elementares com régua e compasso.
De uma certa forma a ideia de Descartes para o que veio a se chamar geometria analítica complementava a de Fermat, pois, em resumo, ao invés de partir de equações gerais e procurar traduzi-las geometricamente, partia de um problema de lugar geométrico e chegava à equação correspondente — através da qual interpretava o lugar.
(Na figura, C é um ponto genérico do lugar.) No fundo, Descartes usava um sistema de coordenadas oblíquas, limitado ao primeiro quadrante, sem explicitar o eixo das ordenadas. Aliás, sequer os termos abscissa, ordenada e coordenadas figuram em seu trabalho, posto que introduzidos por Leibnitz em 1692.
O Discurso do método fez de Descartes um homem famoso ainda em vida. O fato de ter escrito essa obra em francês (ao invés do latim, língua científica da época) tornou mais fácil a difusão de suas ideias filosóficas. Mas estas não eram bem aceitas pelas universidades e pela Igreja da época. Assim é que, quando seus restos mortais foram depositados no monumento erigido na França em sua memória (Descartes morrera 15 anos antes, na Suécia), a oração fúnebre foi proibida pela corte de seu país.
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