O astrofísico mais famoso do mundo ganha cinebiografia
ao mesmo tempo em que vem a público questionar suas
próprias teorias
Ao ser diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença degenerativa, o jovem Stephen Hawking, de 21 anos, pergunta: “Meu cérebro vai continuar funcionando, doutor?”. “Sim”, responde o médico, “mas ninguém vai saber o que você pensa.” A cena retrata um momento crucial na vida do astrofísico inglês – e é também uma das mais tensas da cinebiografia 'A Teoria de Tudo', que estreia dia 29 de janeiro.
Para alegria geral da ciência, o médico estava errado. O filme, baseado no livro 'A Teoria de Tudo: A Extraordinária História de Jane e Stephen Hawking' (Editora Única, 2014), escrito pela ex-mulher do físico, retrata os percalços e glórias do casal. Dirigido por James Marsh (vencedor do Oscar com o documentário O Equilibrista, de 2008), o longa recebeu a bênção do próprio Hawking. E é didático ao explicar teorias complexas, como na cena em que Jane, completando o marido, que já perdeu a eloquência, discorre sobre a teoria geral da relatividade e a física quântica usando batatas e ervilhas como exemplo.
Para Hawking, deve haver uma ponte entre esses dois pilares da física moderna que possa explicar todas as interações fundamentais da natureza. Sim, uma teoria de tudo. Mas, para especialistas como Marcelo Gleiser, professor de física e astronomia do Dartmouth College e colunista da GALILEU, isso seria incompatível com a física.
Autor do livro 'Criação Imperfeita', o físico brasileiro defende que os argumentos de Hawking, baseados na teoria das supercordas, são inconsistentes. “O que descrevemos da natureza depende de observações, que por sua vez dependem de instrumentos. O que vemos da realidade depende da precisão deles. A tecnologia avança, mas estamos sempre vendo parcialmente”, explica Gleiser. Assim, não podemos ter certeza de que as forças que conhecemos são as únicas existentes, o que dificultaria a criação de uma teoria unificada. Mas Hawking parece não ter medo de rever seus conceitos. “O que é bastante confuso sobre Stephen é que muitas das coisas que ele descobriu ele mesmo provou depois que estavam erradas”, afirma a GALILEU o ator Eddie Redmayne, que interpreta o cosmólogo.
Formulador das teorias mais importantes e reconhecidas sobre buracos negros, Hawking chocou o meio científico em 2014 ao propor que os “horizontes de evento” – regiões próximas dos buracos negros, onde a gravidade é tão forte que atrai qualquer coisa – simplesmente não existem. Em outras palavras, não há buracos negros da forma como os conhecemos.
A polêmica ficou de fora do filme, mas outras ideias aparecem, como o conceito da radiação Hawking, segundo o qual os buracos negros podem perder massa até desaparecer. “Esses conceitos são baseados em física sólida e vêm guiando a pesquisa de centenas de pessoas, inclusive a minha”, diz Gleiser. No longa, o insight para a teoria acontece quando o físico observa o calor emanado por uma lareira. Para o crítico do The New York Times Dennis Overbye, especialista em física e cosmologia, essa é a pior cena. De acordo com ele, Hawking levou meses para elaborar esses fundamentos. Ao ignorar isso, “os produtores se enganaram a respeito do que foi sem dúvida o momento mais dramático de sua carreira”, escreveu. “O filme cede a sensibilidades religiosas ao tratar do que seu trabalho diz acerca da existência ou não de Deus, que é muito pouco.”
Mas a escorregada não afeta a carreira do astrofísico pop, que, depois de gravar com o Pink Floyd, aparecer em séries como The Big Bang Theory e demonstrar interesse em interpretar um vilão de James Bond, só precisa mesmo de um Oscar para premiar seu carisma.
Forte abraço,
Prof. Sérgio Torres
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Prof. Sérgio Torres