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sábado, 27 de junho de 2015

A importância da ciência de qualidade (e não de quantidade)

O britânico Isaac Newton passou os primeiros 40 anos de sua vida discutindo os princípios da luz, da alquimia e da queda de maçãs sem publicar nada relevante. Se vivesse hoje com essa improdutividade, o gênio provavelmente estaria na lanterna dos rankings acadêmicos, sem recursos para suas pesquisas(Universal History Archive/Getty Images)


A última edição da revista 'Science' aborda um conhecido dilema para os pesquisadores: a valorização da quantidade de trabalhos publicados, no lugar da qualidade. Especialistas em integridade científica discutem o tema e mostram como ele pode estar por trás de fraudes e da falta de transparência de parte das pesquisas científicas modernas

Se não fosse uma bronca do astrônomo Edmond Halley, as leis de Newton provavelmente jamais teriam sido escritas. O cientista inglês que dá nome às mais famosas regras da física vivia recluso no escritório, fazendo cálculos, discutindo óptica e alquimia com colegas e, ocasionalmente, vendo maçãs caírem e elaborando teorias sobre a gravidade.

Publicar os achados não era muito a sua área. Em 1684, Halley descobriu que Isaac Newton, aos 40 anos, não havia escrito sequer um artigo com suas brilhantes ideias sobre a movimentação dos corpos celestes e, pior, disse ter perdido as anotações com seus cálculos. O astrônomo Halley pediu a demonstração das equações e, pouco tempo depois, Newton lhe mandou um pequeno tratado, gênese da obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, publicada em 1687 e fundadora da mecânica clássica. Se vivesse no século XXI, porém, Newton jamais seria perdoado por passar tanto tempo sem colocar suas ideias no papel.

Provavelmente seria obrigado a escrever mais de um texto por ano para receber o financiamento para pesquisas e obter reconhecimento. Seu mérito viria da produtividade, mais que da qualidade de seus estudos - só assim ganharia pontos em rankings acadêmicos e poderia, talvez, se dedicar a obras de fôlego que revolucionassem a ciência. Ou seja, teria de viver na toada moderna da academia, impregnada pelos traços de rapidez, produtividade e simplicidade que marcam a era digital.

A última edição da revista Science chama atenção para esse conhecido paradoxo da ciência: a valorização do número de publicações, que indica a produtividade acadêmica, mas, por outro lado, pode incentivar a queda de qualidade e favorecer a desonestidade. De acordo com dois comentários publicados no periódico, a avaliação quantitativa tem feito a ciência evoluir de forma "dramática e inquietante" e ajudado a promover fraudes, a falta de transparência e uma série de equívocos.

"Há, certamente, uma possibilidade de que os incentivos para a publicação constante de artigos esteja impedindo o próximo Newton, ou prêmio Nobel, de surgir. Todos os grandes pesquisadores têm muito trabalho, mas apenas um ou dois flashes de brilhantismo pelos quais são lembrados", disse ao site de VEJA a geofísica Marcia McNutt, editora-chefe da Science e autora de um dos textos publicados na revista. "Temos que prestar atenção a poucos e bons artigos, e não a um grande número de textos medíocres, publicados facilmente na internet."


Investigar, provar, reproduzir - Esse estímulo para uma vasta quantidade de publicações anuais dos pesquisadores é um fenômeno recente na área científica. Ele surgiu na metade do século XX, junto com a consolidação de grandes estruturas que sustentam a atividade acadêmica, como institutos de financiamento e grandes laboratórios, e coincidiu com a era da tecnologia da informação, que trouxe maior capacidade de armazenamento e verificação de dados. Foi nesse momento que a ciência, de uma vez por todas, deixou de depender dos recursos de alguns mecenas e da atividade voluntária de pesquisadores abnegados para se tornar um organizado e rentável mercado de inovações. Até então, a ciência tinha a tendência a ser avessa a métricas produtivas.

Isso porque, na Antiguidade, os maiores sábios costumavam demonstrar suas ideias em exposições públicas ou aulas, dedicando pouco tempo à escrita (e a procurar faturar com suas conclusões). O grego Sócrates (469 a.C. - 399 a.C), um dos maiores filósofos da história, jamais rabiscou uma linha, e é conhecido por ter sido contra a o registro escrito. É graças às anotações dos alunos, como Platão, que conhecemos as ideias do sábio.
A observação da natureza e a discussão de ideias eram as melhores maneiras de analisar o mundo até o desenvolvimento da metodologia científica, baseada na formulação e investigação de hipóteses. Esse sistema chegou à ciência com nomes como o do francês René Descartes (1596-1650) e, curiosamente, o de Isaac Newton (1643-1727). Depois de 40 anos sem colocar no papel suas reflexões e sofrendo de certo descrédito acadêmico, Newton publicou sua obra-prima e ajudou a formular princípios que até hoje são seguidos (e dificilmente serão desacreditados por completo no futuro; apesar de Einstein ter feito acréscimos essenciais à noção que se tem das forças gravitacionais).

No fim da vida, o genial Newton se tornou presidente da Academia Real de Ciências da Inglaterra, fundada em 1660, que tem como divisa a citação latina nullius in verba, algo como "não acredite apenas na palavra". Ou seja, a partir do século XVII não bastava apenas ter uma ideia, era preciso que ela fosse exposta e provada. Em um texto claro e preciso, de preferência. Ou seja, em um artigo científico.
A partir daí surgiram as primeiras publicações científicas europeias, como a Philosophical Transactions, da Academia Real inglesa, e o Journal des Sçavans, na França, em 1665. Cientistas de todo o continente se esmeravam para ter suas conclusões publicadas nesses periódicos e nos que surgiram nos séculos posteriores, como a Nature e a Science. Métodos como citações, notas de rodapé e revisão por pares foram desenvolvidos para garantir que as pesquisas fossem sérias, transparentes e livres de fraudes. A publicação científica se tornou um parâmetro que faz com que cientistas ao redor do mundo acessem os dados de descobertas e inovações.

O sistema funcionou bem até que, no início dos anos 80, o número de problemas com a integridade dos estudos publicados começou a crescer. Cópias, dados fabricados e provas falsas chamaram a atenção de cientistas. Só em 2012, foram cerca de 400 artigos retratados (por dados incorretos, ou mesmo por acusações de cópia) em periódicos ao redor do mundo, número semelhante ao de 2011. Em 2013, os dados subiram para 500, de acordo com o último levantamento do site americano Retraction Watch, que publica diariamente notificações de pesquisas retratadas. Trata-se de uma pequena fração dos cerca de 2 milhões de artigos publicados anualmente - mas as fraudes são cada vez mais comuns.

Aristóteles


Mentor de Alexandre, o Grande, e fundador do primeiro Liceu da história, o filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C) é conhecido por suas reflexões a respeito de quase todos os temas do conhecimento humano. Ética, política, ótica, matemática e astronomia foram alguns de seus interesses. No entanto, grande parte das obras do filósofo não foi escrita com o intuito de publicação: são consideradas anotações de aulas e resumos de leitura. É assim com a famosa 'Poética', que se tornou tema do livro 'O Nome da Rosa', de Umberto Eco. O volume traz as regras da tragédia e prevê comentários sobre a comédia – mas jamais alguém encontrou linha alguma sobre o último assunto. Veredito no mundo moderno: sem artigos publicados, dificilmente receberia financiamento para estudos.        


Sócrates


A obra do filósofo grego Sócrates (469 a.C. – 399 a.C) é conhecida como uma das fundadoras da filosofia ocidental. No entanto, ele jamais escreveu uma linha. Foi seu aluno, Platão (428. a.C – 348 a. C), o responsável pela publicação de suas ideias, como o método socrático e seus pensamentos sobre ética e política. Desde a juventude, o filósofo demonstrava uma perfeita inabilidade para o trabalho: mais atrapalhava que ajudava o pai escultor. Caminhava descalço, não gostava de tomar banho; mas era mestre em passar o tempo filosofando e construindo novas ideias na discussão com outras pessoas – de graça. Pela vida libertina, foi condenado à morte, bebendo um cálice do veneno cicuta.

   

Giordano Bruno


O filósofo e teólogo italiano Giordano Bruno (1548-1600) passou a vida refletindo sobre as origens e o funcionamento do universo. Frade da ordem dominicana, mas adepto do livre pensamento, que podia ser considerado heresia na Idade Média, abandonou a batina e passou peregrinar pela Europa, pedindo asilo pelas cidades onde chegava. Passou pela França, Alemanha e, na Inglaterra, no fim da vida, publicou alguns de seus escritos. Foi, principalmente, uma de suas obras, 'Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos', de 1584, que o levou a ser preso e condenado pela Inquisição. Como estudou as teorias do astrônomo e matemático Nicolau Copérnico, Bruno postulava que o Universo era infinito, que a Terra não estava em seu centro e havia muitos outros planetas no cosmo onde poderia existir vida. O livro e suas ideias são considerados precursores da filosofia moderna. Ele, porém, poderia ser visto como um andarilho sem motivação nesta era digital que vivemos.





Isaac Newton


O cientista inglês que dá nome para as mais famosas leis da física, Isaac Newton (1642-1726), por pouco não escreveu a obra que fundou a mecânica clássica. Seus 'Princípios Matemáticos da Filosofia Natural', publicado em três volumes entre 1687 e 1726, foram feitos a partir da insistência de cientistas como Edmond Halley, que percebeu que Newton tinha feito os cálculos perfeitos para decifrar a órbita dos corpos celestes, mas dizia não encontrar o rascunho com as contas. Por sorte, Newton refez os cálculos e enviou a Halley em um breve texto. Foi sua primeira publicação, feito alcançado apenas aos 40 anos de idade. Nunca se casou, gostava de viver recluso e dedicou bastante tempo à alquimia – com estudos disso jamais publicados, é claro. 




Herder


Considerado um dos nomes-chave para o movimento do Romantismo alemão, no início do século XIX, o filósofo Johann Gottfried von Herder (1744-1803) jamais deu aulas na universidade e gostava de publicar ensaios que fugissem dos padrões acadêmicos. Anti-social, ranzinza e sempre retratado com vestes negras, publicou em 1772 o 'Tratado sobre a Origem da Linguagem', incentivando a criação de uma literatura nacional. Suas ideias provocaram uma revolução à época, mas o autor morreu isolado, fazendo ataques constantes ao maior filósofo do período, e antigo professor, Immanuel Kant. Era um gênio. Só que nada produtivo.

        

Ada Lovelace


A filha do poeta inglês Lord Byron, Ada Lovelace (1815-1852), é considerada a primeira programadora de computador da história. No entanto, não foi um artigo, mas algumas notas em uma tradução que a tornaram conhecida. Na infância, a mãe de Ada colocou-a sob a tutela de professores de matemática e ciência para que não desenvolvesse habilidades literárias e ficasse parecida com o pai, de humor instável e impulsivo. Tinha talento para os números, mas também para a vida boêmia e para atividades consideradas masculinas, como fazer a versão em inglês de um artigo de um engenheiro francês sobre uma máquina analítica, no qual teceu alguns comentários para esclarecer o público. Essas notas, mais extensas que o artigo original, trazem o primeiro algoritmo para ser processado por uma máquina. Seus escritos receberam pouca atenção na época e a condessa Lovelace morreu jovem, aos 36 anos, sem muito reconhecimento.

          


Albert Einstein


Em 1905, um único artigo de três páginas, escrito por um mero atendente em um escritório de patentes, revolucionou a ciência. Nele, o alemão Albert Einstein (1879-1955) enunciou a equivalência de massa e energia e esboçou a fórmula E = mc2, um dos pilares da sua futura teoria da relatividade e de toda a física moderna. A publicação só aconteceu porque, em seu sossegado emprego, Einstein tinha tempo para refletir sobre sinais elétricos e escrever suas ideias. Sua vida acadêmica tinha sido um fracasso, com faltas constantes e indisciplina e, depois que terminou a graduação, tentou até trabalhar como tutor, mas lhe faltava habilidade com crianças. Com a publicação de 1905, chamou a atenção de cientistas da época e ganhou postos em universidades europeias. Em 1915, completou a teoria da relatividade e, em 1921, ganhou o prêmio Nobel de Física por seus estudos sobre o efeito fotoelétrico. Será que hoje a academia financiaria um rapaz sem muito foco, deveras improdutivo, mas genial e com ideias brilhantes?

        

A comunidade científica percebeu que por trás dos dados havia dois fatores importantes: a tecnologia, que tornou mais fácil não só a manipulação das informações, mas também o controle e avaliação dos resultados científicos. A publicação em sistemas online faz com que cientistas em qualquer ponto do globo tenham acesso às informações e possam julgar os trabalhos, criando a mais poderosa rede de avaliação já vista na ciência. Com isso, qualquer equívoco ganha relevância. Mas, ao mesmo tempo, a rede permite que qualquer um espalhe mentiras e farsas.

Outra razão identificada para os problemas, mais sutil que a primeira, são os grandes incentivos para que os cientistas publiquem vários artigos, sendo pontuados pela quantidade em rankings acadêmicos e de produtividade e, consequentemente, recebendo recompensas financeiras. A necessidade de publicar muito para sobreviver ou ganhar notoriedade pode, em alguns casos, sobrepor-se aos sóbrios preceitos científicos de investigação.

É o caso do cenário que se vê na China, país que nos últimos anos tem publicado milhares de artigos, principalmente em pesquisas genéticas. De acordo com a plataforma online PubMed, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) americano, chineses divulgaram nos últimos cinco anos cerca de 400 000 artigos. É mais do que a China produziu em toda a primeira década do século XX. Um deles teve uma retratação história feita pela revista Nature, em julho do ano passado. Em janeiro de 2014, um grupo de cientistas japoneses descreveu uma técnica revolucionária para transformar células animais maduras em células-tronco. Foi a primeira pesquisa a descrever uma forma simples e eficaz de produzir as células. Grupos de cientistas de todo o mundo tentaram replicar o achado, sem sucesso. Seis meses depois, a o periódico fez a retratação. A pesquisa continha dados fabricados. No caso da China, o que agrava a situação é a dificuldade de ter acesso a dados brutos das pesquisas, controlados pelo governo. Logo, pouco se sabe de quanto dos 400 000 textos da última meia década são falsos.

"A lógica científica muda com o tempo e com o contexto. Hoje estamos em um momento em que a ciência é feita por grandes conglomerados internacionais, que fomentam a inovação. Há um sistema imenso que apoia esse serviço público e, por isso, o rigor deveria é ser ainda maior", explica Jailson de Andrade, professor da Universidade Federal da Bahia e um dos membros da Comissão de Integridade, ramo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Menos quantidade, mais qualidade - A quantificação dos artigos costuma ser um importante parâmetro que revela a distribuição dos maiores investimentos em ciência. Pelos números é possível saber quais países ou universidades estão com foco em cada tipo de área do conhecimento. No entanto, a medição da quantidade não pode ser o único guia. Entre cientistas (dos mais charlatões) é comum o truque de dividir um artigo importante em várias publicações, ou repetir a mesma informação em diversos meios, com poucas variantes de conclusões. O objetivo: inflar seus números e ganhar pontos (e financiamento) no universo acadêmico, mesmo que os textos não sejam relevantes.
Por isso, no início dos anos 1990, os Estados Unidos decidiram modificar as estratégias de recompensa científica. A Fundação Nacional de Ciências (NIH, na sigla em inglês), começou a pedir que pesquisadores listassem apenas suas dez publicações mais importantes, e não as dezenas ou centenas de artigos publicados. As universidade do país seguiram essa diretriz e, hoje, o NIH pede que cientistas façam apenas uma descrição de suas publicações, sem se importar com o número. A ênfase é nos resultados, não em quantos ou onde foram publicados.
O exemplo é positivo, mas ainda não é uma realidade no universo acadêmico. Diz o psicólogo Brian Nosek, da Universidade da Virginia, nos Estados Unidos, e autor de um dos artigos publicados na Science sugerindo novos parâmetros para garantir a transparência das pesquisas: "Eu e os alunos de meu laboratório somos recompensados por publicar com a maior frequência possível e nos periódicos de mais prestígio. Em nossa carreira, devemos fazer trabalhos inovadores, positivos, com resultados muito claros. Mas a realidade é uma bagunça, porque lidamos com problemas difíceis e nos aventuramos no desconhecido. Então, para ter e manter um emprego, e vencer nesse mercado competitivo, o incentivo é que façamos nossa pesquisa parecer melhor do que é. Acredito que o grande desafio é mudar esses incentivos para que os cientistas sejam premiados por serem cuidadosos e transparentes, não excessivamente produtivos."
Se a ciência é o motor para a compreensão do funcionamento do mundo e do ser humano, a ética e integridade das pesquisas precisa prevalecer no trabalho. Um dos grandes exemplos seguidos pelos cientistas é o do naturalista britânico Charles Darwin, que investiu a vida em uma única ideia, buscando falhas e reformulando pensamentos até morrer. Com isso, revolucionou o planeta com uma conclusão que só parece simples pelos olhos de hoje: a de que seres vivos evoluem ao se adaptar ao ambiente. "Temos que ser os críticos mais severos de nossos artigos, buscando explicações alternativas e revendo os próprios preconceitos. Há muitos artigos que não sobrevivem a esses questionamentos e nem deveriam ser publicados", diz Marcia McNutt, editora-chefe da Science.

http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/a-importancia-da-ciencia-de-qualidade-e-nao-de-quantidade
       
Forte abraço,
Prof. Sérgio Torres
Dicas de Física e Super Interessantes

                                                     Sergio Torres

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