Como todos vocês, que estão lendo esse (conto verídico), tem um pai, tiveram um pai ou mesmo que não tenha conhecido seu pai biológico, teve alguém que você admirou ou que cuidou de você quando criança e você cresceu, aprendeu a viver e achou que ele não tinha mais nada a lhe ensinar, nem deixar você com mais respostas.
Meu pai era pragmático, carismático e não tinha uma formação acadêmica, embora fosse erudito em várias áreas, era péssimo em ciências e em física.
Quando eu era criança disse a ele que iria inventar a máquina do tempo, ele riu, não disse nada, mas a indiferença dele quanto à minha aspiração fez de mim um físico.
Queria ter uma área que eu dominasse e que amasse. Óbvio que não conversávamos a esse respeito, pois sua área era de humanas, de saber viver, era comerciante e como todos diziam convencia tanto as pessoas que se quisesse vendia vestido vermelho de noiva.
Conversávamos muito sobre vários assuntos, mas nunca ciência, embora ele desse alguns palpites, sempre eram vagos. Lembro muito de uma única vez que ele bebeu um pouco além da conta e numa festa começou a me ensinar que um copo com água gelada aglutinava água do lado de fora pois o ar continha vapor d'água e quando condensava ficava no estado líquido ao tocar o copo.
Infelizmente, senti pela primeira vez na vida um certo desprezo, pois ele tinha bebido, coisa que não era comum de forma alguma, e estava me ensinando algo que eu ministrava em salas de aula.
Então, nesse momento eu percebi que ele não me conhecia e nunca poderia me trazer nenhum conhecimento ou questionamento nessa área que eu já não dominasse plenamente e tive pena dele tentando me ensinar algo que para mim era tão óbvio quanto o Sol nascer todas as manhãs.
Então, nesse momento eu percebi que ele não me conhecia e nunca poderia me trazer nenhum conhecimento ou questionamento nessa área que eu já não dominasse plenamente e tive pena dele tentando me ensinar algo que para mim era tão óbvio quanto o Sol nascer todas as manhãs.
Os anos se passaram, eu sendo professor de física até hoje, já tendo se passado 30 anos.
Convidava ele de quando em vez a assistir a alguns filmes de ficção científica (que é um contra-senso, pois se é ficção não pode ser científica e se é científica não pode ser ficção, mas continuando...).
Ele nunca se interessou, nunca, nunca, nunca para meu desgosto, pois queria muito discutir física com ele: os paradoxos, toda a evolução de pensamentos contra-intuitivos que formaram e moldaram o mundo tecnológico que temos hoje, mas nunca, nunca dera uma chance, nada.
Ele preferia assistir "The Odd Couple" com Walter Matthau e Jack Lemmon e ouvir músicas clássicas de tchaikovsky.
Eu o acompanhava e discutia outros filmes, além da música, da política entre outros assuntos e ouvia ele sempre citar que os grandes homens falam de ideias, os homens inteligentes falam de coisas e o resto da humanidade falam dos outros, e por aí ia.
Morei fora por alguns anos, sempre dando aulas e nossas conversas pararam por algum tempo e mesmo se tivessem continuado nunca seria nada de paradoxos ou de ciência, seria uma conversa interessante sobre ideias e coisas, nunca, óbvio, de gente.
Um dia, quando já estava de volta à mesma cidade onde ele morava com seus 75 anos, ele foi acometido por um avc, que paralisou todo um lado e o deixou sem a arte que ele mais tivera, que era pensar, contar anedotas maravilhosas e fazer todos felizes e alegres com seu espírito elevado, que o acompanhou a vida toda, isso morrera tudo com esse "acidente".
Nessa época ele tinha muita dificuldade de concatenar pensamentos e articular frases, ficava sentado numa cadeira de balanço na frente da televisão.
Um dia fui visitá-lo e me aproveitando do fato dele não poder se mexer, pensar, falar, nem articular de nenhuma forma o que quisera, eu pus um filme que envolvia ficção, para meu deleite e para o infortúnio dele. Eu não estava nem aí, finalmente estava assistindo a um filme de ficção com meu pai, meu sonho desde a infância e ele não podia fazer nada, a não ser assistir comigo.
O filme era chamado "Em algum lugar do Passado" com Christopher Reeve (aquele que interpretou super-homem) e na história, para meu deleite e talvez infortúnio de meu pai, havia uma viagem no tempo.
Eu estava extasiado, mesmo ele doente eu estava realizando um sonho de ver um filme, qual eu dominara toda a teoria, todos os paradoxos, toda a ciência envolvida, mesmo sendo uma "ficção científica". Eu estava feliz.
O filme começou e eu olhei de lado para meu pai para ver se havia alguma expressão de repulsa, mas não havia, ele estava sereno, tranquilo e eu quase que senti que até que enfim ele sucumbira ao meu desejo de ver um filme de ficção científica comigo.
O filme iniciou com uma senhora muito idosa, que numa festa num grande salão de um hotel luxuoso, entrou e foi ao protagonista (o meu super-homem) e entregou um relógio para ele, que continha uma inscrição no verso escrita "amor eterno" e pronunciou a seguinte frase olhando nos seus olhos: "volte para mim" e foi embora sem dizer mais nada.
Meu super-homem ficou intrigado e falou com um funcionário bem antigo do local e perguntou quem seria aquela senhora, no que o velho senhor falou que fora uma grande artista e atora e disse ainda que nesse hotel havia uma sala só com fotos e objetos de sua juventude no auge de sua carreira.
Naquele momento o meu super-homem sentiu que ela era a mulher da vida dele, mas pela diferença no tempo em que os dois viviam seria impossível um envolvimento amoroso.
Então, procurou um CIENTISTA (para meu deleite) e perguntou se era possível voltar no tempo. O mesmo através de vários argumentos científicos, que não vou descrever aqui, falou que pela física quântica era possível, pois segundo o cientista nossa mente era capaz de fazer a viagem no tempo, bastava para isso, ele se trancar num quarto e utilizando uma roupa da época e nada que o lembrasse que ele era do futuro, sua mente conseguiria transportá-lo ao passado.
Ele passou vários dias trancado no quarto enquanto aguardava que a física quântica, que ele nem sequer compreendera, agisse e assim ele pudesse viver o grande amor da vida dele.
Até que um dia conseguiu e viajou para o passado, carregando tudo da época, inclusive o relógio que recebera da velha senhora.
Chegando ao passado ele viu que pertencia àquele lugar.
(Bem, nesse momento olhei pelo canto do olho para meu pai e ele em sua cadeira de balanço com sua boca meia torta pelo avc estava assistindo ao filme, para minha grande satisfação).
Conheceu o grande amor da vida dele e os dois se apaixonaram, no passado, ele fez todo o galanteio que um homem daquela época podia fazer, deu a ela todo o tipo de presente, inclusive o relógio que ganhara, ela recebeu e achou linda a frase no verso "amor eterno".
Começaram um amor indescritível, onde cada momento era realmente uma eternidade de paz, amor, comunhão e grande paixão.
Dei outra olhada no meu velho pai e ele lá firme assistindo ao filme de ficção científica e de amor, que por tantos anos esperei, contado com o fato que eu no final eu pudesse explicar tudo: como funcionou a viagem no tempo, o que seria física quântica e todas as físicas que pipocavam na minha cabeça para enfim explicar algo ao meu pai que era da minha área, do meu domínio, que eu sabia, que eu dominara todo o assunto e poderia finalmente passar o que eu sabia, com até alguma visão poética que nós cientistas temos, pois a poesia faz parte de nossa natureza científica, ou pelo menos da minha.
Voltei a assistir ao filme, quando algo de muito triste aconteceu, ele levara algo do futuro que no instante que tocou fez voltar ao presente e a perdeu para sempre e essa fora a grande tragédia do filme, pois o amor dele se encontrava no passado, o qual ele não poderia mais voltar (nessa hora eu doido que meu pai me perguntasse porque ele não podia mais voltar, só para eu responder que ele encontraria ele mesmo e iria explicar o que seria um paradoxo para meu pai, mas não deu, não foi dessa vez que ele perguntou). Lamentando muito e chorando muito por ter perdido o grande amor da vida dele o filme terminou.
Bem, esperei alguma reação do meu pai e nada. Comecei então a explicar que por mais improvável que seja, uma viagem no tempo é possível, que o tempo e espaço se confundem e que da mesma forma que andamos no espaço poderíamos um dia andar no tempo e viver em outra época e blá blá blá blá blá blá.....
Vendo meu pai naquele estado, um remorso começou a bater em mim, não sabia nem se ele entendera uma palavra do que dissera.
Estava feliz de certa forma, obriguei ele a assistir finalmente um filme de viagem no tempo comigo, mesmo que fosse contra sua vontade, não tinha como saber se expliquei toda a física possível envolvida no filme. mas, meu sonho tinha se tornado real.
Desliguei a televisão e fiquei olhando para meu pai, peguei sua mão, fiquei olhando para aquele homem que eu conhecera no seu auge e estava envergonhado pelo que fiz, mas pipocando de felicidade por dentro ao mesmo tempo.
Afinal de contas tivera explicado a viagem no tempo que tanto sonhara desde a infância e continuei a olhar para ele após toda a explicação e percebi que a mão dele se mexera.
Puxou levemente meu braço e eu sem saber o que estava acontecendo, ele continuou a puxar, eu cedi e fui me aproximando dele, percebi que ele estava querendo conduzir meu ouvido para as proximidades de seus lábios. Pensei que fosse me beijar ou algo assim, ao invés disso ele começou a falar com a voz muito trêmula, com sua boca destorcida pela fatalidade que lhe acometera, e disse:
"Filho você é muito inteligente, sabe muita física e eu assisti ao seu filme com todo o gosto, foi um filme inteligente, assim como você"
Deu uma pausa, enquanto tomava forças para continuar a falar e eu me sentindo todo orgulhoso, então ele continuou...
"Você sempre quis ganhar nesse jogo, então eu vou perguntar, posso?"
Aí foi o êxtase, era o gran-finale, era a hora que eu poderia explicar tudo. Na minha mente estavam Pascal, Descartes, Einstein, Lorentz, Stephen Hawking, minha cabeça estava explodindo de fórmulas e de regras de ensino para poder responder o mais didaticamente possível qualquer pergunta. Contendo a ansiedade tão esperada por aquele momento, falei para ele: sim pai, pode perguntar qualquer coisa e ele começou a formular uma pergunta, chegara finalmente o momento pelo qual eu esperara a vida inteira, iria finalmente mostrar, não só meu valor, mas ensiná-lo.
Foi quando atônito e perplexo vi seus lábios se mexerem e esboçarem o sorriso carinhoso com o olhar amoroso, que só um pai de verdade pode dar, e falou:
"Filho, quem foi que comprou o relógio? Você pode explicar isso?"
e repetiu:
"Quem comprou o relógio?"
e repetiu:
"Quem comprou o relógio?"
Ficamos nos olhando por um tempo, os dois com lágrimas nos olhos, ele vencera no meu próprio jogo, achando o único paradoxo do filme qual nunca percebera antes.
Foi quando ele falou novamente, depois se calou e nunca mais voltou a falar:
"Você acha que perdeu por eu ter descoberto o seu paradoxo, mas o que você não entendeu foi a pergunta".
Foi quando ele falou novamente, depois se calou e nunca mais voltou a falar:
"Você acha que perdeu por eu ter descoberto o seu paradoxo, mas o que você não entendeu foi a pergunta".
Fazia exatamente dez anos que ele se fora e toda vez que me lembrava dele, essa pergunta "Quem comprou o relógio?" vinha à minha mente e fora feliz , por um tempo, por nunca saber a resposta.
Anos depois, como um raio, entendi o que ele quis dizer.
Fui, então, na calada da noite, ao seu túmulo e coloquei a frase em seu epitáfio, pois percebera que não foi no paradoxo que ele tivera me vencido naquele dia, mas no ensinamento sobre o duplo sentido que essa frase encerra.
"Quem comprou o relógio?"
Anos depois, como um raio, entendi o que ele quis dizer.
Fui, então, na calada da noite, ao seu túmulo e coloquei a frase em seu epitáfio, pois percebera que não foi no paradoxo que ele tivera me vencido naquele dia, mas no ensinamento sobre o duplo sentido que essa frase encerra.
"Quem comprou o relógio?"
Prof. Sérgio Torres
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Prof. Sérgio Torres