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sábado, 21 de janeiro de 2017

HOJE É ANIVERSÁRIO DE AMPÈRE, ANDRÉ-MARIE 22/01/1775 - 16/06/1836

AMPERE, ANDRÉ-MARIE
Lyon, França, 22/1/1775 Marselha, França, 10/6/1836
MATEMÁTICA | QUÍMICA | FÍSICA
[L. Pearce Williams - Universidade Cornell, Ithaca, EUA]





















O pai de Ampère, Jean-Jacques, era um comerciante autônomo, que logo após o nascimento do filho mudou-se com a família para a cidade vizinha de Poleymieux, onde André-Marie cresceu. A casa é hoje um museu nacional. 



Jean-Jacques Ampère foi muito influenciado pelas teorias pedagógicas de Rousseau e propôs-se a educar o filho de acordo com as orientações dadas em Êmile [Emílio]. 

Ao que parece, seguiu o método de deixar o filho em contato com uma considerável biblioteca e permitir que ele se educasse de acordo com suas próprias inclinações. Uma das primeiras obras lidas por Ampère foi a Histoire naturelle [História natural] de Buffon, que estimulou seu permanente interesse pela taxonomia. É provável que a influência mais importante sobre ele tenha sido a grande Encyclopédie [Enciclopédia], da qual, trinta anos mais tarde, era capaz de recitar muitos artigos de cor. Na biblioteca do pai, descobriu também o elogio fúnebre de Descartes, feito por Antoine Laurent Thomas, que o convenceu da nobreza de uma vida dedicada à ciência e o introduziu na metafísica, a única paixão que manteve ao longo da vida.


Os dotes matemáticos de Ampère foram descobertos e aperfeiçoados quase por acaso. Quando criança, era fascinado pelos números. Aprendeu sozinho os elementos da teoria dos números. 



Como o jovem Pascal, foi proibido de enfrentar os rigores da geometria por causa da tenra idade, mas desafiou a autoridade dos pais e estudou sozinho os primeiros livros da geometria de Euclides.



Quando foi informado pelo bibliotecário de Lyon de que as obras de Euler e Bernoulli, que desejava ler, estavam escritas em latim, Ampère apressou-se a aprender essa língua. Logo ficou em condições de ler os livros que lhe interessavam, mas continuou estudando, até o ponto de poder escrever versos bastante aceitáveis em latim.





A educação inicial de Ampère ocorreu em uma atmosfera profundamente religiosa. Sua mãe, cujo nome de solteira era Jeanne Desutières-Sarcey, era uma mulher devota. Cuidou para que o filho recebesse uma profunda instrução na fé católica. Ao longo da vida, Ampère refletiu essa dupla herança, a da Encyclopédie e a do catolicismo. Era constantemente assaltado por dúvidas semeadas pelos enciclopedistas, e com a mesma constância renovava sua fé. Desse conflito nasceu o interesse pela metafísica, que moldou sua relação com a ciência.
A infância de Ampère chegou ao fim em 1789, com a Revolução Francesa. Embora Poleymieux fosse um lugar rural atrasado, logo os acontecimentos em Lyon envolveram sua família. Jean-Jacques foi convocado por seus concidadãos a tornar-se juge de paix [juiz de paz], um posto com importantes atribuições policiais. Enfrentou a ameaça de um expurgo jacobino e ordenou a prisão de Joseph Chalier, o chefe jacobino de Lyon. Chalier foi executado. Quando Lyon caiu sob o poder das tropas republicanas, Jean-Jacques Ampère foi julgado e também executado na guilhotina em 23 de novembro de 1793. 

Esse acontecimento atingiu André-Marie como um raio. O mundo sempre havia sido uma realidade distante, mas agora irrompia no centro de sua vida. Tal confronto repentino foi maior do que ele conseguiu suportar. Durante um ano isolou-se de tudo, sem falar com os outros, tentando compreender o que havia acontecido. Reduziu ao mínimo o contato com o mundo exterior; a única coisa que pareceu sobreviver foi um interesse pela botânica, estimulado pela leitura das cartas de Rousseau sobre o assunto.

Foi nesse estado emocional, extremamente vulnerável, que Ampère encontrou a jovem que haveria de tornar-se sua mulher. Julie Carron era um pouco mais velha que ele. Pertencendo a uma boa família burguesa, deve ter visto a aparência de Ampère de forma um tanto desfavorável. Embora os Ampère e os Carron vivessem em aldeias vizinhas e compartilhassem a mesma situação econômica e social, o casamento parecia impossível. Aos 22 anos, Ampère tinha um patrimônio pequeno e nenhuma profissão ou habilidade especial. Era também uma pessoa caseira e rústica, características que dificilmente haveriam de atrair uma mulher acostumada à sociedade e aos costumes de Lyon. A corte de Ampère, cuidadosamente documentada em seu diário, revela um aspecto essencial de seu caráter: ele era um romântico incurável, com uma vida emocional simples e intensa. Apaixonara-se por Julie. Tentou conquistá-la até que ela finalmente consentiu em se casar com ele. Sua alegria, assim como seu desespero com a morte do pai, não tinha limites. Também na ciência Ampere foi possuído por seu próprio entusiasmo. Nunca planejou o andamento de experimentos ou uma linha de pensamento; uma brilhante intuição haveria de surgir como um raio, e ele iria persegui-la febrilmente até o fim.

Ampère e Julie casaram-se em 7 de agosto de 1799. Os quatro anos seguintes foram os mais felizes da vida dele. De início, conseguiu manter-se modestamente como professor de matemática em Lyon, onde seu filho Jean-Jacques nasceu em 12 de agosto de 1800. Em fevereiro de 1802 Ampere deixou Lyon para tornar-se professor de física e química na Escola Central de Bourgen-Bresse, uma posição que lhe trouxe um salário melhor e, mais importante, a oportunidade de preparar-se para um posto no novo lycée que Napoleão queria criar em Lyon. 

Em abril desse ano começou a trabalhar em um artigo original sobre teoria das probabilidades, que, como estava convencido, iria fazer sua reputação. Tudo concorria para fazê-lo o mais feliz dos homens. E então a tragédia o atingiu. Julie, que ficara doente desde o nascimento do filho, morreu em 13 de julho de 1803. Ampère ficou inconsolável. Começou a procurar desesperadamente uma maneira de deixar Lyon e todas as suas lembranças.

Por causa do valor de seu artigo sobre probabilidades foi nomeado répétiteur [encarregado de dar explicações aos alunos, N.R.] de matemática na École Polytechnique de Paris. Mais uma vez seu estado emocional foi ao extremo. Entediado com o trabalho na École Polytechnique, sozinho em uma cidade estranha e sofisticada, procurou companhia humana, sendo atraído por uma família que parecia oferecer-lhe o calor emocional que buscava. Em 10 de agosto de 1806 casou-se com Jeanne Potot. O casamento começou em condições pouco auspiciosas: foi enganado pelo sogro, que o excluiu do patrimônio, e a mulher não estava interessada em criar filhos. Foi uma catástrofe. Depois do nascimento de uma filha, Albine, a mulher e a sogra tornaram insuportável a vida de Ampère, que chegou à conclusão de que a única saída era o divórcio. Albine juntou-se a Jean-Jacques na casa dos Ampère, agora dirigida pela mãe e pela tia de André-Marie, que tinham vindo de Poleymieux para Paris.

Em 1808 Ampère foi nomeado inspetor-geral do recém-criado sistema universitário, posição que ocupou até a morte, exceto por uns poucos anos na década de 1820. Em 28 de novembro de 1814 foi nomeado membro da classe de matemática no Instituto Imperial. Em setembro de 1819 foi autorizado a dar cursos de filosofia na Universidade de Paris e em 1820 foi nomeado professor assistente de astronomia. Em agosto de 1824 foi escolhido para a cátedra de física experimental no Collège de France.

Ao longo desses anos a vida doméstica de Ampère continuou perturbada. Seu filho, em quem depositara grandes esperanças, sucumbiu ao fascínio de Mme. Recamier, uma das grandes belezas do Império, e durante vinte anos se sentiu satisfeito por fazer parte de sua corte. Sua filha Albine casou-se com um oficial do Exército que se revelou um beberrão e um quase-maníaco. Havia também uma preocupação constante com dinheiro. Em 1836, Ampère adoeceu e morreu sozinho, enquanto estava em uma viagem de inspeção em Marselha.

A pobreza de Ampere teve um efeito importante sobre seu desenvolvimento intelectual. Não há dúvida de que sua profunda fé religiosa foi reforçada pela série de catástrofes que o atingiram. Cada tragédia reforçava também seu desejo de obter certeza absoluta em alguma área da vida. Mais tarde seu filho observou essa característica do comportamento do pai: ele nunca ficava satisfeito com as probabilidades, procurava sempre a verdade. Não foi mera coincidência que seu primeiro artigo matemático, "Des considérations sur la théorie mathématique du jeu" [Considerações sobre a teoria matemática do jogo], de 1802, apresentasse uma prova de que um jogador isolado perderia necessariamente um jogo de azar ao enfrentar um grupo cujas reservas financeiras fossem infinitamente maiores do que as suas.

Na ciência, a busca de Ampère por certeza e as exigências de sua fé levaram-no a elaborar uma filosofia que foi determinante para a forma de sua pesquisa científica. A filosofia que predominava na França nos primeiros anos do século XIX era a de Condillac e de seus discípulos, chamados "ideólogos" por Napoleão. Eles sustentavam que somente as sensações eram reais, e assim deixavam expostos à dúvida tanto Deus quanto a existência de um mundo objetivo. Ampère tinha horror a essa posição e procurava uma visão alternativa. Foi um dos primeiros franceses a descobrir as obras de Immanuel Kant. 



Embora a filosofia de Kant tornasse possível manter a fé religiosa de cada um, Ampère sentia que o tratamento que o filósofo dava a espaço, tempo e causalidade implicava que, em um nível fundamental, era duvidosa a existência de uma realidade objetiva. Espaço e tempo, na interpretação que Ampère fazia de Kant, passavam a ser modos subjetivos da razão humana, o que Ampère, como matemático, não podia aceitar.
Por isso ele construiu sua própria filosofia. Os fundamentos foram fornecidos por seu amigo Maine de Biran, que achou que tinha refutado com êxito a conclusão de David Hume, de que causa significava simplesmente a sucessão de fenômenos no tempo. O ato de alguém mover o braço fornecia uma sólida prova de que um ato era explicado por uma causa, e que aqui não se tratava simplesmente de descrever uma sucessão. A pessoa quer mover o braço e tem consciência do ato de querer; então o braço se move. Portanto, o braço se move porque alguém quer movê-lo. Ampère usou este argumento para provar a existência de um mundo exterior. Se o braço de alguém não puder mover-se, por exemplo por se encontrar sob uma mesa pesada, então nós temos consciência de causas externas. O braço não se move porque a mesa impede que isso aconteça. Assim, a causação foi levada por Ampère do mundo psicológico para o mundo físico. Além do mais, a resistência da mesa, para satisfação de Ampère, provava que a matéria existia, pois essa causa externa tem de ser independente da sensação que temos dela. Com argumentos semelhantes Ampère conseguiu provar que a alma e Deus também têm que existir.

A filosofia de Ampère permitiu-lhe manter tanto a fé em Deus quanto a fé na existência real de uma natureza objetiva. O próximo passo era determinar o que podia ser conhecido do mundo físico. Aqui, mais uma vez, a análise de Ampère continha visões idiossincráticas sobre a natureza da explicação científica. Seu próprio trabalho haveria de ilustrá-las com clareza. Existem (e aqui é óbvia a influência de Kant) dois níveis de conhecimento do mundo exterior. Existem os fenômenos, que nos são apresentados diretamente pelos sentidos, e existem os númenos, as causas objetivas dos fenômenos. Os númenos, de acordo com Ampère, são conhecidos pela atividade da mente, que imagina certas entidades reais e materiais cujas propriedades podem ser usadas para explicar os fenômenos. Mas esses dois aspectos da realidade não esgotam o que podemos conhecer. Nós conhecemos também relações entre fenômenos e relações entre númenos (Filos. Objeto inteligível, em oposição a objeto que se conhece pela intuição sensível; nômeno.NT) e essas relações possuem tanta objetividade e realidade quanto os númenos. Um exemplo pode ser suficiente para ilustrar isso. Desde o final do século XVIII sabia-se que dois volumes de hidrogênio combinam-se com um volume de oxigênio para formar dois volumes de vapor d'água. Isto é o conhecimento de um fenômeno específico.



Em 1808, Gay-Lussac descobriu que todos os gases se combinam em razões simples e anunciou sua lei dos volumes de combinação. A lei estabelece uma relação entre fenômenos, aumentando assim o nosso conhecimento do mundo fenomênico. Em 1814 Ampère publicou a "Lettre de M. Ampere a M. le Comte Berthollet sur la determination des proportions dans lesquelles les corps se combinent d'après le nombre et la disposition respective des molécules dont leurs particules integrantes sont composées" [Carta do sr. Ampere ao sr. conde Berthollet sobre a determinação das proporções nas quais os corpos se combinam de acordo com o número e a respectiva disposição das moléculas de que suas partículas integrantes são compostas].1 Era uma tentativa de fornecer as relações numenais, e portanto mais profundas, das relações fenomenais. Da teoria da atração universal usada para explicar a coesão dos corpos e do fato de que a luz passa facilmente através de corpos transparentes, Ampère concluiu que as forças atrativas e repulsivas associadas a cada molécula mantêm as moléculas básicas dos corpos a distâncias umas das outras que são "infinitamente grandes em comparação com as dimensões dessas moléculas". Isto é conhecimento de númenos. Explica certas qualidades básicas do mundo observável em termos de entidades teóricas cujas propriedades podem ser imaginadas a partir dos fenômenos.

Da ciência da cristalografia Ampère tomou emprestada a ideia da partícula integral, isto é, a menor partícula de um cristal que tem a forma desse cristal. As moléculas de Ampère se agrupavam de várias maneiras para formar partículas que possuíam formas geométricas específicas. Existiriam, assim, partículas compostas de quatro moléculas que formavam tetraedros (oxigênio, nitrogênio e hidrogênio), de seis moléculas que formavam um octaedro (cloro) etc. Estas formas geométricas eram muito importantes na teoria de Ampère, pois lhe permitiam tratar os problemas da afinidade eletiva [termo da química pré-moderna, N.R.] e também deduzir a lei de Avogadro. As partículas de Ampère eram compostas, e por isso podiam ser quebradas em partes menores. Assim, o oxigênio era composto de quatro moléculas que, sob certas condições, podiam ser (e, de fato, eram) quebradas em partes menores, com duas moléculas indo para um lado e duas para o outro. A regra era que só podiam ser formados compostos cujas moléculas fossem poliedros regulares. Se um tetraedro encontrasse um octaedro, não podia haver uma combinação simples, pois o resultado seria uma figura geométrica bizarra (nas palavras de Ampère). Mas dois tetraedros podiam combinar-se com um octaedro, já que o resultado seria um dodecaedro.

Aqui se tornam manifestas a filosofia de Ampère e a influência que ela exerceu sobre sua atividade científica. As relações de númenos, neste caso a associação de moléculas para compor uma forma geometricamente regular, são simplesmente admitidas. Ampere não podia apresentar nenhuma evidência para sustentar a existência dessas formas. Eram hipóteses sobre númenos e sobre as relações entre eles, de modo a gerar uma explicação causal dos fenômenos. Não pode haver nenhuma "evidência" para os númenos; pode haver apenas o maior ou menor êxito das hipóteses numenais para explicar o que se observa. Este ponto é fundamental, pois permitiu que Ampere tratasse os númenos com liberdade. Seu pressuposto de uma molécula eletrodinâmica seguiu inteiramente esse padrão.

A análise filosófica de Ampere forneceu-lhe também a chave para sua classificação das ciências, que ele considerou o coroamento de sua carreira. Como Kant, ele desejava mostrar com exatidão o que o homem podia conhecer com as ciências que tratam de cada parte da capacidade de conhecimento do homem. O mapa acrescentado ao primeiro volume de seu Essai sur la philosophie des sciences [Ensaio sobre a filosofia das ciências], de 1834, à primeira vista deixa a impressão de ser uma lista fantástica, e sem qualquer correlação interna, dos possíveis objetos de investigação. Se considerarmos as visões filosóficas de Ampère, todas caem em um padrão bastante simples. Podemos tomar o exemplo da física geral. 

Na classificação de Ampere, a física está dividida em duas ciências de segunda ordem — física geral elementar e física matemática. Cada uma destas, por sua vez, tem duas divisões. A física geral elementar consiste em física experimental e química; a física matemática está dividida em estereonomia e atomologia (neologismos de Ampere). A física experimental trata dos fenômenos, isto é, da descrição acurada de fatos físicos. A química trata das causas numenais dos fatos descobertos pela física experimental. A estereonomia refere-se às relações entre fenômenos, como por exemplo as leis da condução do calor através de um sólido. A atomologia explica essas leis, demonstrando como elas podem ser deduzidas de relações entre as partículas básicas da matéria. Todas as outras ciências são tratadas dessa maneira, tendo exatamente a mesma espécie de divisão quádrupla.

Essa classificação nos revela como era amplo o alcance da mente de Ampere e nos permite compreender suas ocasionais excursões à botânica, à taxonomia e até mesmo à anatomia e fisiologia animais. Em grande parte ele buscava confirmar sua análise filosófica, mais do que estabelecer novos caminhos científicos. No fim da vida, com grande alegria, Ampère considerava ter sido capaz de estabelecer que o esquema incluía todas as ciências. Em seu Essai sur la philosophie des sciences sustentou que o ajustamento era bom demais para ser mera coincidência; a classificação não podia deixar de refletir a verdade. Mais uma vez ele encontrara certeza onde seus predecessores não a haviam encontrado.

De 1800 até sua morte, a constante paixão intelectual da vida de Ampère foi seu sistema filosófico. Mesmo assim, também realizou nesses anos pesquisas científicas bastante originais. De 1800 até mais ou menos 1814 ele se dedicou primariamente à matemática. Quando seus interesses matemáticos diminuíram, ficou fascinado com a química; de 1808 a 1815, empregou seu tempo livre em investigações químicas. De 1820 a 1827, criou e desenvolveu a ciência da eletrodinâmica, o trabalho científico pelo qual ficou mais conhecido e que lhe rendeu um lugar na primeira linha dos físicos.

[Embora em alguns livros a medida da intensidade de corrente elétrica seja dada em ampère e muitos a definem como Coulombs/segundo, ampère é uma unidade padrão do SI e é definida como  a corrente que produz uma força atrativa de 2.10^-7 newton por metro de comprimento entre dois condutores retos, paralelos, e de comprimento infinito e secção circular desprezível, colocados a um metro de distância um do outro, no espaço livre. NT].



Ampère não era um matemático brilhante. Em seu primeiro artigo mostrou considerável originalidade e grande habilidade como especialista em algoritmos. Assim como Leonhard Euler, Ampère tinha a habilidade excepcional, que se acha apenas em matemáticos natos, para descobrir relações matemáticas. Seu trabalho matemático mais extenso, "Mémoire sur Intégration des équations aux différences partielles" [Memória sobre a integração de equações diferenciais parciais], de 1814, consistia em várias maneiras de integrar equações diferenciais parciais. Embora não se deva subestimar a utilidade de trabalhos desse tipo, eles não podem ser colocados no mesmo nível, por exemplo, da invenção dos quatérnios por William Rowan Hamilton ou do estabelecimento dos fundamentos rigorosos do cálculo por Augustin Cauchy.

O fracasso de Ampere em realizar as promessas apresentadas antes em matemática resultou, sem dúvida, de sua paixão pela metafísica e da necessidade de ganhar a vida. Mas houve também o fato, que precisa ser registrado aqui, de que o sistema científico da França o forçou a ocupar-se com matemática quando seus interesses estavam voltados em outra direção. Tendo sido classificado como matemático, Ampère achou que não teria condições de obter reconhecimento em qualquer outro terreno — até publicar seus artigos sobre eletrodinâmica, que fizeram época. A segurança que veio com a eleição para a Academia de Ciências só foi alcançada por Ampère ao preço de deixar de lado seus interesses químicos e escrever um trabalho matemático com o objetivo explícito de entrar para a Academia. Em tais condições, raras vezes se tem feito trabalho matemático original.

O interesse de Ampere pela química surgiu nos dias em que ele dava aulas particulares em Lyon. Esse interesse continuou a crescer em Bourgen-Bresse, onde passou a dominar o assunto, e intensificou-se ao máximo por volta de 1808, quando Humphry Davy abalou os fundamentos da química ortodoxa da escola francesa. Uma vez Ampère se descreveu como sendo um crédulo em matéria de ciência; era um reflexo de sua filosofia. Uma nova ideia científica podia ser aceita imediatamente como hipótese, mesmo sem ter a seu favor nenhuma evidência, da mesma forma que uma suposição fundamental podia ser feita sem evidências: o critério mais importante era se ela funcionava ou não. Ampère não estava comprometido com o sistema de química de Lavoisier.



Quando Davy anunciou a descoberta do sódio e do potássio, os ortodoxos sentiram-se abalados e até consternados. Como podia o oxigênio ser o princípio ativo da acidez, como Lavoisier insistira, se os óxidos de potássio e sódio formavam os álcalis mais fortes? Para Ampère isto não era problema; ele simplesmente aceitava o fato. Mas, se o fato fosse verdadeiro, então a teoria do oxigênio dos ácidos provavelmente estava errada. Sendo assim, o grande enigma do ácido muriático podia ser facilmente resolvido. O gás verde que se desprendia quando o ácido muriático se decompunha não precisava ser um composto de alguma base desconhecida e de oxigênio; podia ser um elemento. Assim, quando Davy ainda se interrogava sobre a natureza composta do cloro, Ampère já concluíra que o cloro era um elemento. Infelizmente, e disso veio a se lamentar mais tarde, ele não teve nem tempo nem recursos para comprovar essa ideia. O crédito da descoberta do cloro, como um elemento químico, foi para Davy. Ampère foi outra vez ultrapassado por Davy em 1813, quando levou a este último uma amostra de uma nova substância que Bernard Courtois havia isolado das algas. Ampère já havia percebido as semelhanças dessa substância com o cloro, mas foi Davy quem primeiro insistiu publicamente sobre o caráter elementar da substância, que ele chamou de iodo.
O aspecto numenal da química deixava Ampère fascinado. Embora sua derivação da lei de Avogadro chegasse três anos depois de ela ter sido anunciada pelo próprio Avogadro, a lei é conhecida hoje na França como lei de Avogadro-Ampère. Esta foi a primeira excursão de Ampere à física molecular, e a ela seguiu-se quase imediatamente uma segunda. Em 1815 ele publicou um artigo demonstrando a relação entre a lei de Mariotte (de Boyle) e os volumes e pressões de gases à mesma temperatura. O artigo, ao lado dos grandes artigos de Laplace sobre capilaridade, é de algum interesse como um esforço pioneiro de aplicação da análise matemática ao domínio molecular.

Em 1816, em um longo artigo sobre a classificação natural dos corpos simples, o "Essai d'une classification naturelle pour les corps simples" [Ensaio de uma classificação natural para os corpos simples], Ampère voltou-se para as relações fenomenais da química. Ali ele chamou a atenção para as semelhanças entre a classificação dos elementos em termos de suas reações com oxigênio, de Lavoisier e seus seguidores, e a classificação das plantas de Linnaeus em termos de seus órgãos sexuais. Bernard de Jussieu conseguira desafiar Linnaeus com seu sistema natural que levava em conta a planta inteira como base de classificação e procurava afinidades entre todas as partes da planta, não apenas entre as flores. Ampère, agora, desejava fazer o mesmo com a química. Descobrindo uma classificação natural, isto é, uma que unisse os elementos por suas relações reais, e não artificiais, Ampère esperava fornecer um novo insight das reações químicas. Por isso seu esquema de classificação não foi uma mera ordenação dos elementos e sim um verdadeiro instrumento de pesquisa química, como mais tarde a tabela periódica de Mendeleev. 

Infelizmente, o sistema de Ampère não era menos artificial que o de Lavoisier. Embora procurasse mais analogias entre elementos do que fora feito por Lavoisier, as analogias escolhidas por ele não ofereciam muito insight das relações entre os grupos nelas baseados. Mas o artigo pode ser visto como uma tentativa-prévia de encontrar relações entre os elementos que trouxessem alguma ordem ao número continuamente crescente dos corpos simples.
Por volta de 1820 Ampère havia conseguido uma certa reputação, tanto como matemático quanto como um químico heterodoxo. Se tivesse morrido antes de setembro desse ano, seria uma figura menor na história da ciência. A descoberta do eletromagnetismo por Hans Christian Oersted, na primavera de 1820, abriu um mundo inteiramente novo para Ampere e lhe permitiu mostrar todo o poder de seu método de descoberta.



 Em 4 de setembro de 1820, em um encontro da Academia de Ciências, François Arago relatou, para uma audiência cética e perplexa, a descoberta de Oersted. A maioria dos membros não acreditava no que estava ouvindo. Para satisfação de todos, o grande Coulomb não provara em 1780 que não podia haver nenhuma interação de eletricidade e magnetismo? A credulidade de Ampère veio aqui em seu favor: ele aceitou imediatamente a descoberta de Oersted e para ela voltou sua atenção. Em 18 de setembro apresentou à Academia seu primeiro artigo sobre o assunto; em 25 de setembro e 9 de outubro levou adiante o relato de suas descobertas. Nessas semanas de atividade febril nasceu a ciência da eletrodinâmica.

Existe uma certa confusão sobre a natureza exata da primeira descoberta de Ampère. No trabalho publicado, "Mémoire sur Paction naturelle de deux cou-rants électriques..." [Memória sobre a ação natural de duas correntes elétricas...], de 1820, ele afirmou que sua mente dera um salto brusco, passando da existência do eletromagnetismo para a ideia de que correntes que se movem em círculos através de hélices funcionam como ímãs. Isto pode ter decorrido da consideração do magnetismo terrestre, em que as correntes circulares parecem óbvias. Ampere aplicou sua teoria ao magnetismo da Terra, e a gênese da eletrodinâmica pode ter sido aquela que ele descreveu. Por outro lado, existe um relato dos encontros da Academia de Ciências em que Ampere apresentou uma ordem um pouco diferente para as suas descobertas. Parece que a descoberta de Oersted sugeriu a Ampère que dois fios portadores de corrente podem se afetar mutuamente. Essa foi a descoberta anunciada na Academia em 25 de setembro.2 Como o padrão da força magnética em torno de um fio portador de corrente era circular, não foi necessário nenhum grande passo para o geô-metra Ampere visualizar a força resultante se o fio fosse enrolado em forma de hélice. A atração e repulsão mútuas de duas hélices também foram anunciadas à Academia em 25 de setembro. Ampère apresentara uma nova teoria do magnetismo como eletricidade em movimento.

A partir desse momento, as pesquisas de Ampère seguiram três caminhos diferentes, mas constantemente entrelaçados. Eles correspondem exatamente a suas ideias sobre a natureza da ciência e da explicação científica. O fenômeno do eletromagnetismo havia sido anunciado por Oersted. As relações de dois fios portadores de corrente foram descobertas por Ampère. Faltava explorar essas relações de maneira detalhada e completa. Segundo sua própria filosofia, era necessário que Ampere procurasse as causas numenais dos fenômenos, que foram encontradas em seu famoso modelo eletrodinâmico e em sua teoria da natureza da eletricidade. Por último, Ampere tinha que descobrir as relações entre os númenos a partir dos quais todos os fenômenos poderiam ser deduzidos. Entre 1820 e 1825 todas essas tarefas foram realizadas por ele, com êxito.
O primeiro grande trabalho de Ampere sobre eletrodinâmica foi quase inteiramente fenomenológico, no sentido que ele atribuía ao termo. Em uma série de experimentos clássicos e simples, ele forneceu evidência factual para sua afirmação de que o magnetismo era eletricidade em movimento. Concluiu seu trabalho com nove pontos, que aqui envolvem repetições, pois resumem seu trabalho anterior.
1.  Duas correntes elétricas se atraem quando se movem paralelamente na mesma direção; repelem-se quando se movem paralelamente, mas em direções opostas.
2.  Segue-se que, quando os fios metálicos através dos quais elas passam só podem girar em planos paralelos, cada uma das duas correntes tende a virar a outra para uma posição que lhe é paralela, apontando na mesma direção.
3. Essas atrações e repulsões são absolutamente diferentes das atrações e repulsões da eletricidade ordinária (estática).
4.  Todos os fenômenos apresentados pela mútua ação de uma corrente elétrica e de um ímã, descobertos por Oersted, obedecem à lei da atração e repulsão de duas correntes elétricas que acaba de ser enunciada, se se admitir que um ímã é apenas uma coleção de correntes elétricas produzidas pela ação das partículas de aço, umas sobre as outras, análoga à dos elementos de uma pilha voltaica, e que existem em planos perpendiculares à linha que une os dois pólos do ímã.
5. Quando um ímã se encontra na posição que tende a assumir pela ação do globo terrestre, essas correntes movem-se em sentido oposto ao movimento aparente do Sol; quando se coloca o ímã na posição contrária, de modo que os pólos dirigidos para os pólos da Terra sejam os mesmos [S para S e N para N], essas mesmas correntes estão na mesma direção do movimento aparente do Sol.
6.  Os conhecidos efeitos observados da ação de dois ímãs, um sobre o outro, obedecem à mesma lei.
7.  O mesmo ocorre com a força que o globo terrestre exerce sobre um ímã, se se admitem correntes elétricas em planos perpendiculares à direção da agulha de declinação movendo-se de leste para oeste e acima dessa direção.
8.  Em um pólo de um ímã não existe nada mais que no outro; a única diferença entre eles é que um está à esquerda e o outro à direita das correntes elétricas que conferem ao aço suas propriedades magnéticas.
9. Volta provou que as duas eletricidades, positiva e negativa, das duas extremidades da pilha se atraem e se repelem mutuamente de acordo com as mesmas leis que as duas eletricidades produzidas por meios que já eram conhecidos antes dele. Porém, com isso ele ainda não demonstrou completamente a identidade dos dois fluidos, manifestados pela pilha e por fricção; essa identidade foi provada, tanto quanto uma verdade física pode ser provada, quando ele mostrou que dois corpos, um eletrificado pelo contato de [dois] metais, e o outro por fricção, atuam um sobre o outro, em todas as circunstâncias, como se ambos tivessem sido eletrificados pela pilha ou pela máquina elétrica comum [gerador eletrostático]. A mesma espécie de prova é aplicável aqui à identidade das atra-ções e repulsões entre correntes elétricas e ímãs.3

Aqui, Ampère teve apenas uma suspeita do fundo numenal. Como a maioria dos físicos do continente europeu, ele sentia que os fenômenos elétricos só podiam ser explicados por dois fluidos. Por isso, como ressaltou no artigo, uma corrente tem que consistir no fluido positivo mover-se em uma direção através do fio e o fluido negativo mover-se na outra direção. Seus experimentos provaram-lhe que esse movimento contrário dos dois fluidos elétricos levavam a forças únicas de atração e repulsão nos fios portadores de corrente. Seu primeiro artigo pretendia descrever essas forças em termos qualitativos, mas havia um problema: Como essa explicação podia ser estendida a ímãs permanentes? A resposta parecia enganadoramente simples: se o magnetismo fosse apenas eletricidade em movimento, então em um ímã de barra comum teria que haver correntes de eletricidade.

Mais uma vez aflorou a extraordinária disposição de Ampère para criar hipóteses ad hoc (Diz-se de argumento ou de assunção forjados a partir do fato que se pretende explicar, provar, etc.). Volta havia sugerido que o contato de dois metais diferentes daria origem a uma corrente se os metais estivessem ligados por um fluido condutor. Ampere simplesmente assumiu que o contato das moléculas de ferro em um ímã de barra daria origem a uma corrente semelhante. Um ímã, portanto, podia ser visto como uma série de pilhas voltaicas em que as correntes elétricas moviam-se concentricamente em torno do eixo do ímã. Quase imediatamente, Augustin Fresnel, amigo de Ampere e criador da teoria ondulatória da luz, lembrou que essa hipótese não servia. O ferro não é um condutor muito bom dos fluidos elétricos, e por isso, se as visões de Ampere fossem corretas, algum calor seria gerado. Os ímãs não são perceptivelmente mais quentes do que o material que os rodeia. Ao ser confrontado com esse fato, Ampère teve que abandonar sua explicação numenal.


Foi Fresnel quem forneceu a Ampère uma saída. Em uma nota ao amigo, Fresnel escreveu que, como não se sabia nada da física das moléculas, por que não se poderia supor a existência de correntes de eletricidade ao redor de cada molécula? Se essas moléculas pudessem ser alinhadas, o resultado das correntes moleculares seria exatamente as correntes concêntricas requeridas. Ampere adotou a sugestão, e assim nasceu a molécula eletrodinâmica. Mas tratava-se de uma molécula peculiar. De alguma forma misteriosa, uma molécula de ferro decompunha o éter luminífero (que permeava o espaço e a matéria) em dois fluidos elétricos, seus elementos constituintes. A decomposição tinha lugar dentro da molécula; os dois fluidos elétricos derramavam-se do topo, fluíam em torno da molécula e entravam novamente na base. O efeito líquido era o de um único fluido circulando a molécula. Quando alinhadas pela ação de outro ímã, essas moléculas formavam um ímã permanente. Ampere não disse por que as moléculas agiam dessa maneira; para ele, era suficiente saber que seu modelo eletrodinâmico fornecia um fundamento numenal para os fenômenos eletrodinâmicos.

Não há dúvida de que Ampère levava à sério sua molécula eletrodinâmica e que esperava que outros também o fizessem. Na resposta a uma carta do físico holandês Van Beck, publicada no Journal de physique em 1821, Ampère argumentou com eloquência em favor de seu modelo, insistindo que ele podia ser usado para explicar não apenas o magnetismo, mas também a combinação química e a afinidade eletiva. Em suma, deveria ser considerada como o fundamento de uma nova teoria da matéria. Esta foi uma das razões pelas quais a teoria eletrodinâmica de Ampere não foi imediata e universalmente aceita. Aceitá-la significava aceitar também uma teoria da estrutura última da matéria.

Tendo estabelecido um fundamento numenal para fenômenos eletrodinâmicos, Ampère voltou-se para descobrir as relações entre os fenômenos e criar uma teoria da qual essas relações pudessem ser deduzidas matematicamente. Esta dupla tarefa foi empreendida nos anos 1821-1825, e seu êxito foi relatado em sua obra maior, a Mémoire sur la théorie mathématique des phénomènes électrodynamiques, uniquement déduite de Vexpérience [Memória sobre a teoria matemática dos fenômenos eletrodinâmicos, deduzida unicamente da experiência], de 1827. Nessa obra, o Principia da eletrodinâmica, Ampere descreveu primeiramente as leis de ação das correntes elétricas, descobertas por ele a partir de quatro experimentos extremamente engenhosos. A medição das forças eletrodinâmicas era muito difícil, embora pudesse ser feita, como J.-B. Biot e Félix Savart mostraram em sua formulação da lei de Biot-Savart. Ampère percebeu, entretanto, que se poderia obter uma exatidão muito maior se os experimentos pudessem apresentar resultado nulo, com as forças envolvidas permanecendo em equilíbrio.

O primeiro experimento, para usar as palavras de Ampere, "demonstrava a igualdade do valor absoluto de atração e repulsão que se produz quando uma corrente passa primeiro em uma direção e depois na direção oposta em um condutor fixo que é deixado sem mudar de orientação e à mesma distância do corpo sobre o qual ele age". O segundo "consiste na igualdade das ações exercidas sobre um condutor retilíneo móvel por dois condutores fixos situados a iguais distâncias do primeiro, um dos quais é retilíneo e o outro é dobrado ou torcido de uma maneira qualquer..." O terceiro caso demonstrava "que um circuito fechado de uma forma qualquer não pode mover qualquer porção de um fio condutor que forme um arco de círculo cujo centro esteja sobre um eixo fixo em torno do qual possa girar livremente e que seja perpendicular ao plano do círculo do qual este arco é parte". 

Quase de passagem, Ampère mencionou no final de sua Mémoire que ele não havia realizado o quarto experimento, que tinha por objetivo determinar certas constantes necessárias para solucionar sua equação matemática. Ficava a impressão de que essas constantes haviam sido encontradas medindo-se a ação mútua de um ímã e um fio percorrido por uma corrente, com precisão suficiente para permitir que Ampere continuasse suas pesquisas.
Desses casos de equilíbrio, Ampère conseguiu deduzir certas consequências necessárias que lhe permitiram aplicar a matemática aos fenômenos. Era o momento de voltar mais uma vez aos númenos e de completar o edifício, deduzindo dos elementos numenais as relações matemáticas que haviam sido indicadas pelo experimento. 

Na teoria de Ampère, deve ser lembrado, o fluxo de uma corrente elétrica era um processo complicado. A eletricidade positiva fluía no fio em uma direção, enquanto a eletricidade negativa fluía na direção contrária. O éter luminífero era um composto desses dois fluidos, de modo que estava sendo constantemente formado de sua união, para ser decomposto à medida que cada fluido prosseguia seu caminho. Assim, a cada momento havia no fio elementos de eletricidade positiva, de eletricidade negativa e de éter. Por isso o elemento de corrente (ids) de Ampère não era uma ficção matemática tirada de uma necessidade matemática, mas sim uma entidade física real. Seus experimentos haviam revelado as propriedades básicas desse elemento. A força associada ao elemento é uma força central, que atua à distância em ângulo reto com a direção de fluxo do elemento. A partir desse fato foi fácil deduzir que a ação mútua de dois trechos de fio que conduzem corrente é proporcional aos seus comprimentos e às intensidades das correntes. Agora Ampere estava preparado para dar uma forma matemática precisa a essa ação. Já em 1820 ele havia deduzido uma lei de força entre os elementos de corrente ids e i'ds' Ele deu a fórmula

para a força entre dois elementos de corrente que formam ângulos 0 e 0' com a linha que os une e os dois planos que contêm esta linha e os dois elementos, respectivamente, formando um ângulo co um com o outro. Nessa época ele não conseguiu avaliar a constante k. Por volta de 1827 conseguiu mostrar que k = -l/2. A fórmula acima pôde agora ser escrita

Quando integrada sobre um circuito completo (como na prática tem que ser), esta fórmula é idêntica à de Biot e Savart.
Agora Ampère pôde atacar quantitativamente a teoria do magnetismo. Conseguiu mostrar que sua lei de ação dos elementos de corrente levava à conclusão de que as forças de um ímã composto de moléculas eletrodinâmicas devia dirigir-se para os pólos. Conseguiu deduzir a lei da ação magnética de Coulomb. Em suma, conseguiu unificar os campos da eletricidade e do magnetismo em um nível numenal básico. A teoria estava completa.

Nem todos aceitaram a teoria de Ampere. Seu principal opositor foi Michael Faraday, que não conseguiu seguir a matemática contida ali e sentiu que toda a estrutura estava baseada em hipóteses ad hoc para as quais não existia qualquer evidência. A parte fenomenal foi aceita; mas até mesmo na França a molécula eletrodinâmica foi considerada com muita desconfiança. A ideia, entretanto, não morreu com Ampère. Mais tarde, nesse mesmo século, foi aceita por Wilhelm Weber e tornou-se a base de sua teoria do eletromagnetismo.

Depois de 1827, a atividade científica de Ampère diminuiu consideravelmente. Foram os anos de ansiedade e de medo pelo bem-estar de sua filha, como também do declínio de sua saúde. Produziu ocasionalmente algum artigo, mas depois do grande trabalho de 1827 os dias de Ampère como cientista criativo haviam terminado. Em vez disso ele voltou-se para concluir seu ensaio sobre filosofia da ciência e sua classificação das ciências. Deve ter tido um pouco de satisfação pelo fato de haver, quase sozinho, criado uma nova ciência a ser colocada em seu próprio esquema taxonômico.

NOTAS
1.  Annales de Chimie, 90, 1814, 43 et seq.
2.  Ver Bibliothèque Universelle des Sciences, Belles-Lettres, et Arts, 17 (1821), 83.
3.  Mémoires sur V électrodynamique, I (Paris, 1885), 48.

BIBLIOGRAFIA
OBRAS ORIGINAIS A fonte mais importante para a vida e a obra de Ampere são as quarenta caixas de documentos no arquivo da Academia de Ciências em Paris. O material foi catalogado, mas nunca foi usado. Para a correspondência de Ampere, ver Corres-pondance du Grand Ampere, 3 v., org. Louis de Launay (Paris, 1936-1943). Deve ser usado com cuidado, porque há muitos erros na transcrição e não é completo. Mas contém uma completa bibliografia das obras de Ampere no fim do segundo volume. Deve-se consultar também: André-Marie Ampere et Jean-Jacques Ampere: Correspondance et souvenirs (de 1805 à 1864), recuellis par Madame H. C.fheuvreux], 2 v. (Paris, 1875); Mme. Cheuvreux, Journal et correspondance d'André-Marie Ampere (Paris, 1872). Esses volumes devem ser usados com grande cuidado, porque Mme. Cheuvreux não era uma especialista e mudou a ordem de passagens inteiras, algumas vezes inserindo parte de uma carta em outra, por razões artísticas. Os artigos de Ampere sobre eletrodinâmica foram reimpressos pela Sociedade Francesa de Física como Mémoires sur V électrodynamique, 2 v. (Paris, 1885-1887). A Mémoire sur la théorie ma-thématique des phénomènes électrodynamiques, uniquement déduite de Vexpérience (Paris, 1827) foi republicada com pref. de Edmond Bauer (Paris, 1958). Partes dessa obra e de outras de Ampere sobre eletrodinâmica foram traduzidas (para o inglês) e aparecem em Early Electrodynamics: The First Law of Circulation, org. R. A. R. Tricker (Oxford, 1965). Esse volume contém um longo comentário do editor, muito valioso para explicar a teoria de Ampere.
Para a evolução filosófica de Ampere, ver Philosophie des deux Ampere publiée par J. Barthélemy Saint-Hilaire (Paris, 1866), que contém um longo ensaio de Jean-Jacques Ampere sobre a filosofia de seu pai.
LITERATURA SECUNDÁRIA Não existe nenhuma boa biografia de Ampere. C. A. Valson, André-Marie Ampere (Lyon, 1885), e Louis de Launay, Le grand Ampere (Paris, 1925), são as biografias-padrão, mas nenhuma discute em detalhes o trabalho de Ampere. O elogio fúnebre, por François Arago, fornece uma visão das realizações científicas de Ampere a partir da perspectiva do século XIX. Ver suas Oeuvres, 17 v. (Paris, 1854-1862), II, 1 et. seq. Para algumas apreciações modernas da obra de Ampere, ver a Revue General de VÉlectricité, 12 (1922), supl. A edição inteira é dedicada ao trabalho de Ampere. Para um interessante relato da carreira inicial de Ampere, ver Louis Mallez, A.-M. Ampere, professem à Bourg, mem-bre de la Société d'Émulation de 1 \Ain, d'après des documents inédits (Lyon, 1936).
Para vários aspectos da carreira de Ampere, ver: Borislav Lorenz, Die Philosophie André-Marie Amperes (Berlim, 1908); Maurice Le-wandowski, André-Marie Ampere. La science et la foi (Paris, 1936). O Bulletin de la Société des Amis d'André-Marie Ampere, que aparece irregularmente, contém muitas histórias sobre Ampere. Dois interessantes esboços de Ampere são Henry James, "The Two Amperes" French Poets and Novelists (Londres, 1878); C. A. Sainte-Beuve, "M. Ampere", Portraits littéraires, 3 v. (Paris, 1862), I.
Uma discussão sobre a molécula eletrodinâmica de Ampere pode ser encontrada em L. Pearce Williams, "Ampère's Electrody-namic Molecular Model", Contemporary Physics, 4 (1962), 113 et. seq. Para as relações de Ampere com a Inglaterra, ver: K. R. e D. L. Gardiner, "André-Marie Ampere and His English Acquaintances", The British Journal for the History of Science, 2 (1965), 235 et. seq.
[CAP / NS / CB]


Forte abraço,
Prof. Sérgio Torres
                                                     Sergio Torres

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