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sábado, 21 de janeiro de 2017

Abel, Niels Henrik 05/08/1802 - 06/04/1829 - Um dos maiores matemáticos de todos os tempos morre aos 26 anos

ABEL, NIELS HENRIK
Finnõy, ilha próxima a Stavanger, Noruega, 5/8/1802 Froland, Noruega, 6/4/1829
MATEMÁTICA
[Oysten Ore]

O pai de Abel, Sõren Georg Abel, era pastor luterano e também filho de pastor. Teólogo talentoso e muito ambicioso, foi educado na Universidade de Copenhague, na época a única instituição desse tipo no reino unido da Dinamarca-Noruega. Ele havia desposado Ane Marie Simonson, filha de um abastado comerciante e armador de navios da cidade de Risõr, na costa meridional. Finnõy foi a primeira paróquia do pastor Sõren Abel; era pequena e desgastante, abrangendo várias ilhas. Niels Henrik foi o segundo dos sete filhos do casal, seis meninos e uma menina.

Em 1804, Sõren Georg Abel foi nomeado sucessor de seu pai na paróquia de Gjerstad, próxima a Risõr. A situação política na Noruega estava tensa. Por causa da aliança com a Dinamarca, o país entrara nas Guerras Napoleônicas ao lado da França. A Inglaterra bloqueou a costa, provocando um desabastecimento generalizado. O pastor Abel destacou-se no movimento nacionalista de então, trabalhando pela criação de instituições norueguesas independentes — particularmente uma universidade e um banco nacional — e até mesmo pela independência total. Quando foi concluído o tratado de paz de Kiel, a Dinamarca cedeu a Noruega para a Suécia. Os noruegueses se revoltaram e promulgaram sua própria Constituição, mas depois de uma breve e fútil guerra contra os suecos, sob o comando de Bernadotte, foram compelidos a buscar um armistício. A união com a Suécia foi aceita, e o pai de Abel tornou-se um dos membros do Storting [parlamento norueguês] extraordinário, convocado no outono de 1814 para fazer as revisões necessárias na nova Constituição.

Niels Henrik Abel e os irmãos receberam do pai a primeira instrução. Em 1815, Abel e o irmão mais velho foram enviados à escola da Catedral de Cristiânia [atual Oslo]. Muitos funcionários públicos da província enviavam seus filhos a essa velha escola que oferecia algumas bolsas de estudo. A escola da Catedral havia sido excelente, mas estava em decadência, pois a maioria dos bons professores aceitara cargos na nova universidade, inaugurada em 1813.

Abel tinha apenas treze anos quando saiu de casa. É provável que a deterioração da vida familiar tenha apressado sua partida. Durante os primeiros dois anos obteve notas apenas satisfatórias; depois, a qualidade de seus estudos decaiu. O irmão dele teve trajetória
ainda pior: começou a mostrar sinais de doença mental e, finalmente, teve de ser mandado de volta para a casa da família.

Em 1817, um acontecimento na escola mudou a vida de Abel. O professor de matemática maltratou um aluno, que morreu logo depois, possivelmente como consequência da punição. O professor foi demitido e seu lugar foi ocupado por Bernt Michael Holmboe, apenas sete anos mais velho que Abel. Holmboe também trabalhava como assistente de Christoffer Hansteen, professor de astronomia e o cientista mais importante da universidade.



Holmboe logo descobriu a extraordinária habilidade do jovem Abel em matemática. Começou a apresentar-lhe problemas especiais e recomendar-lhe livros que não constavam do currículo escolar. Os dois começaram a estudar juntos os textos de Euler sobre cálculo e depois os trabalhos dos matemáticos franceses, particularmente Lagrange e Laplace. O progresso de Abel foi rápido; ele logo passou a ser o verdadeiro professor. 













Pelos cadernos preservados na biblioteca da Universidade de Oslo, vê-se que, mesmo naqueles primeiros tempos, ele já estava particularmente interessado na teoria das equações algébricas. Na época em que terminou a escola, já se havia familiarizado com a maior parte da literatura matemática importante. Holmboe estava tão radiante por ter descoberto um gênio matemático que o reitor da escola lhe pediu para moderar as declarações sobre Abel no livro de registros. 

Mas os professores da universidade foram bem informados por Holmboe sobre o jovem promissor e passaram a conhecê-lo melhor. Além de Hansteen, que também lecionava matemática aplicada, havia apenas um professor de matemática, Sõren Rasmussen, antigo professor da escola da Catedral. Esse homem amável não tinha produção intelectual significativa; ocupava quase todo o seu tempo com tarefas que o governo lhe dava, principalmente em seu cargo de administrador do novo Banco da Noruega.

Durante o último ano na escola, Abel, com o vigor e a audácia da juventude, atacou o problema da solução da equação de quinto grau, que estava em evidência desde os tempos de Ferro, Tartaglia, Cardano e Ferrari, na primeira metade do século XVI. 


Abel acreditou ter conseguido encontrar a fórmula da solução. Porém, ninguém na Noruega era capaz de entender seus argumentos, nem havia um periódico científico onde eles pudessem ser publicados. Hansteen enviou o artigo ao matemático dinamarquês Ferdinand Degen, solicitando a publicação pela Academia Dinamarquesa.

Degen não encontrou nenhuma falha nos argumentos, mas pediu que Abel ilustrasse o método com um exemplo. Degen também achou o tema um pouco estéril. Em carta a Hansteen, sugeriu que Abel voltasse a sua atenção para um tópico "cujo desenvolvimento tivesse maiores consequências para a análise e a mecânica. Refiro-me às transcendentes elípticas [integrais elípticas]. Um investigador sério, com qualificações adequadas para esse tipo de pesquisa, nunca ficaria restrito às belas e numerosas propriedades dessas funções tão notáveis. Poderia descobrir um Estreito de Magalhães que o levasse às amplas vastidões de um fantástico oceano analítico."
Abel começou a construir seus exemplos para a solução da equação do quinto grau, mas ficou consternado ao descobrir que o método não estava correto. Também acatou a sugestão de Degen sobre as transcendentes elípticas, e em dois anos provavelmente já completara os principais pontos da sua teoria das funções elípticas.

Depois de uma candidatura malsucedida em 1816, o pastor Abel foi reeleito para o Storting em 1818, mas sua carreira política terminou em tragédia. Ele fez violentos e infundados ataques contra colegas e foi ameaçado de cassação. Esse acontecimento e o vício da embriaguez fizeram dele o alvo predileto da imprensa. Voltou para casa em desgraça, como um homem desiludido. Ele e a esposa eram alcoólatras; as condições na paróquia ficaram críticas. Todos consideraram um alívio a morte dele em 1820. A viúva foi deixada em sérias dificuldades financeiras, com uma pequena pensão que mal dava para garantir o sustento de seus muitos filhos.
O paupérrimo Abel ingressou na universidade no outono de 1821. Obteve alojamento grátis no dormitório, com permissão para dividi-lo com o irmão mais novo, Peder. Como a nova instituição não tinha fundos para bolsas de estudos, alguns professores tomaram a insólita iniciativa de sustentar o jovem matemático com os seus próprios salários. Tratado como um hóspede em suas casas, Abel sentiu-se particularmente atraído pelo lar de Hansteen, onde moravam a sra. Hansteen e suas irmãs.
O primeiro desafio de Abel na universidade foi satisfazer os requisitos para a graduação preliminar, Candidatus Philosophiae. Após um ano, tendo preenchido os requisitos, Abel concentrou-se nos estudos. Não havia cursos avançados em matemática e em ciências físicas, mas tudo indica que isso não chegou a prejudicá-lo; pouco tempo depois, em uma carta escrita em Paris, ele declarou ter lido praticamente tudo sobre matemática, fosse importante ou não.

Dedicou seu tempo à pesquisa avançada. Seus esforços receberam forte impulso quando Hansteen criou a revista científica Magazin for Naturvidenskaberne [Revista de ciências]. Em 1823 a revista publicou o primeiro artigo de Abel, escrito em norueguês, um estudo sobre equações funcionais. Nem este nem o seu segundo pequeno artigo eram importantes. Entretanto, a revista havia prometido aos assinantes um artigo de divulgação. Provavelmente para responder críticas, Hansteen {Magazin, 1) viu-se obrigado a se desculpar pelo caráter dos artigos: "Acredito que o Magazin, além de material científico, deve apresentar as ferramentas usadas na análise. Deve ser creditado a nosso favor o fato de que apresentamos ao público erudito uma oportunidade de conhecer um trabalho escrito por esse talentoso e hábil autor." O artigo seguinte de Abel, "Opläsning afet Par Opgaver ved bjoelp af bestemte Integraler" [Solução de alguns problemas por meio de integrais definidas], foi importante na história da matemática por apresentar a primeira solução de uma equação integral. 

Despercebido na época, em parte porque foi escrito em norueguês, o artigo tratou do problema mecânico do movimento de um ponto de massa em uma curva sob a influência da gravidade. Durante o inverno de 1822-1823, Abel também elaborou um trabalho mais longo sobre a integração de expressões funcionais. O artigo foi entregue à universidade, na esperança de que a instituição ajudasse na publicação. O manuscrito desapareceu, mas parece que alguns de seus resultados foram incluídos em trabalhos posteriores de Abel.

No início do verão de 1823, o professor Rasmussen deu cem daler de presente a Abel, para que este viajasse a Copenhague e encontrasse Degen e outros matemáticos dinamarqueses. As cartas de Abel a Holmboe revelam a inspiração matemática que recebeu nessa ocasião. Hospedado na casa do tio, conheceu ali sua futura noiva, Christine Kemp.

De volta a Oslo, Abel retomou o problema da solução da equação de quinto grau. Adotou dessa vez o ponto de vista inverso e conseguiu resolver um problema secular, comprovando a impossibilidade de uma expressão radical que contivesse a solução da equação geral de quinto grau ou de grau mais elevado. Abel logo compreendeu a importância desse resultado e o publicou, por sua própria conta, mandando imprimir o trabalho numa gráfica local. Para alcançar uma audiência maior, ele o escreveu em francês: "Mémoire sur les équations algébriques ou on démontre impossibilité de la résolution de L'équation générale du cinquième degré" [Dissertação sobre as equações algébricas onde se demonstra a impossibilidade de resolver a equação geral do quinto grau]. Para economizar espaço, o folheto inteiro foi condensado em seis páginas, mas tamanha concisão dificultou a compreensão. 

Nenhum matemático estrangeiro reagiu, nem mesmo o grande Carl Friedrich Gauss, a quem fora enviada uma cópia.

Abel não podia mais viver às custas dos professores. Seus problemas financeiros haviam aumentado por causa do noivado com Christine Kemp, que viera para a Noruega como governanta dos filhos de uma família que morava perto de Oslo.

Abel solicitou uma verba para viagem. Depois de alguma demora, o governo decidiu conceder-lhe uma pequena remuneração para estudar línguas na universidade, de modo a prepará-lo para viagens ao exterior. Ele passou a receber seiscentos daler, tendo em vista uma temporada de dois anos de estudos no exterior.

Abel ficou desapontado com a demora, mas estudou francês com afinco e preparou uma considerável quantidade de artigos para serem apresentados a matemáticos estrangeiros. No verão de 1825, ele e mais quatro amigos partiram, todos querendo se preparar para futuras carreiras científicas; um deles se tornou mais tarde professor de medicina e os outros três se tornaram geólogos. Os quatro planejaram desde o início ir para Berlim, enquanto Abel, por sugestão de Hansteen, deveria ir para Paris, na época o principal centro mundial de matemática. Mas, para não ficar sozinho, ele decidiu ir também para Berlim, mesmo sabendo que isso desagradaria o seu protetor.

A mudança de planos de Abel acabou sendo uma decisão afortunada. Ao passar por Copenhague, soube que Degen havia morrido. Mesmo assim, conseguiu uma carta de recomendação de um dos outros matemáticos dinamarqueses para o conselheiro privado August Leopold Crelle, um engenheiro muito influente e interessado em matemática, embora não fosse um grande matemático.

Na primeira vez que esteve com Crelle, Abel teve alguma dificuldade em se fazer entender, mas depois de algum tempo Crelle reconheceu as extraordinárias qualidades do jovem visitante. Os dois se tornaram amigos por toda a vida. Abel apresentou-lhe uma cópia de seu folheto sobre a equação de quinto grau. Crelle confessou que não era capaz de compreendê-lo e recomendou que Abel escrevesse uma versão mais detalhada. Conversaram sobre a pobre situação da matemática na Alemanha. Em uma carta a Hansteen, escrita em Berlim e datada de 5 de dezembro de 1825, Abel escreveu com alegria: "Quando expressei surpresa sobre o fato de não existir nenhum periódico de matemática, como na França, ele disse que há muito tempo planejava editar um e que agora executaria esse plano. Para minha grande satisfação, este projeto está agora organizado. 

Terei um lugar para publicar alguns de meus artigos. Já preparei quatro deles para o primeiro número."
O Journal fur die reine und angewandte Mathematik [Revista de matemática pura e aplicada] ou, como é conhecido, o Journal de Crelle, foi o principal periódico alemão de matemática no século XIX. Só o primeiro volume contém sete artigos de Abel, e os volumes seguintes contêm mais, a maioria deles muito importantes na história da matemática. Entre os primeiros está a versão detalhada da prova da impossibilidade de uma solução, por meio de radicais, para a equação geral de quinto grau. Abel desenvolve ali as bases algébricas necessárias, inclusive com uma discussão das extensões algébricas de corpos. Ele não sabia que tinha um precursor, o matemático italiano Paolo Ruffini. 

Mas, num artigo sobre as equações resolvíveis por radicais, publicado postumamente, Abel escreveu: "Se não estou enganado, o único antes de mim que tentou provar a impossibilidade da solução algébrica [por radicais] das equações gerais foi o matemático Ruffini, mas o artigo dele é tão complicado que se torna difícil julgar a exatidão de seu raciocínio. Parece-me não ser inteiramente satisfatório." O resultado é geralmente conhecido como teorema de Abel-Ruffini.

Depois que Abel partiu de Oslo, aconteceu algo que lhe causou muita preocupação. Considerando que a atividade docente em matemática, quando somada a encargos públicos, era muito cansativa, Rasmussen renunciou. Logo depois o corpo docente decidiu recomendar Holmboe para ocupar o cargo vago. Os amigos noruegueses de Abel acharam que era uma grande injustiça e provavelmente Abel sentiu a mesma coisa. Mesmo assim, escreveu uma calorosa carta de felicitações ao antigo professor e eles continuaram bons amigos. Mas, a partir desse momento, Abel ficou preocupado com o futuro e com o casamento iminente, pois não poderia esperar obter nenhum cargo científico em sua terra natal.

Durante o inverno em Berlim, Abel contribuiu para o Journal de Crelle; entre os artigos notáveis, está um sobre a generalização da fórmula binomial e um outro sobre a integração de expressões contendo raízes quadradas. Uma das suas principais preocupações era a falta de rigor na matemática de então. Ele mencionou isto repetidamente em cartas para Holmboe. Em uma delas, datada de 16 de janeiro de 1826, escreveu: "Meus olhos estão arregalados da maneira mais surpreendente. Com exceção dos casos mais simples, não existe em toda a matemática uma única série infinita cuja soma tenha sido determinada com exatidão. Em outras palavras, as partes mais importantes da matemática não têm bases sólidas. É verdade que a maior parte dessas bases é válida, mas isso é surpreendente. Luto para encontrar uma razão para isso, um problema deveras interessante." Um resultado dessa luta foi o seu clássico artigo sobre séries de potências, contendo muitos teoremas gerais e também, como uma aplicação, a determinação precisa da soma da série binomial para expoentes arbitrários reais ou complexos.

No início da primavera de 1826, Abel sentiu-se compelido a seguir para a cidade que deveria ter sido o seu destino inicial, Paris. Crelle prometera acompanhá-lo. No caminho, pretendiam parar em Göttingen para visitar Gauss. Infelizmente, os negócios de Crelle impediram que saísse de Berlim. Nessa mesma ocasião, os amigos noruegueses de Abel estavam planejando uma excursão geológica através da Europa Central. Relutando novamente em separar-se deles, Abel juntou-se ao grupo. Viajaram de carruagem pela Boêmia, a Áustria, o norte da Itália e os Alpes. Abel só chegou a Paris em julho, com poucos recursos depois da dispendiosa viagem.
A visita a Paris foi decepcionante. Quando Abel chegou, as férias universitárias já tinham começado. Os matemáticos estavam fora da cidade. Quando retornaram, Abel notou que eram reservados e de difícil acesso. 

Só de passagem ele conseguiu encontrar-se com Legendre, que na velhice interessara-se pelas integrais elípticas, justamente a especialidade de Abel. Para apresentação na Academia Francesa de Ciências, Abel reservou um artigo — que considerou sua obra-prima — sobre a soma de integrais de uma determinada função algébrica. O teorema de Abel declara que qualquer soma pode ser expressa como um número fixo p dessas integrais, com integrandos que são funções algébricas dos argumentos originais. 

O número mínimo p é o gênero da função algébrica, e esta é a primeira ocorrência desta quantidade fundamental. O teorema de Abel é uma vasta generalização da relação de Euler para integrais elípticas.

Abel passou os primeiros meses em Paris completando a sua grande obra, um de seus mais longos trabalhos, que inclui uma ampla teoria com aplicações. Foi apresentada à Academia de Ciências em 30 de outubro de 1826, com o título "Mémoire sur une propriété générale d'une classe très-étendue de fonctions transcendantes" [Dissertação sobre uma propriedade geral de uma classe muito conhecida de funções transcendentes]. Cauchy e Legendre foram nomeados árbitros, Cauchy como presidente. Vários jovens haviam obtido rápida notoriedade ao terem seus trabalhos aceitos pela Academia, e Abel passou a aguardar o relatório dos árbitros. Entretanto, nenhum relatório veio à luz: ele só foi emitido depois que a morte de Abel forçou o seu aparecimento. Parece que Cauchy foi o culpado; ele alegou depois que o manuscrito estava completamente ilegível.

Com pouco dinheiro e poucos conhecidos, Abel teve em seguida dois meses melancólicos em Paris. Conheceu P. G. L. Dirichlet, três anos mais moço que ele e um matemático já famoso, por meio de um artigo na Academia patrocinado por Legendre. 

Outro conhecido foi Frédéric Saigey, editor da revista científica Bulletin de Ferussac, para quem Abel escreveu alguns artigos, particularmente sobre seus próprios trabalhos no Journal de Crelle. Depois do Natal, gastou os seus últimos recursos comprando uma passagem para viajar a Berlim.

Logo depois de chegar a Berlim, Abel ficou doente; parece que teve então o primeiro ataque da tuberculose que mais tarde iria tirar-lhe a vida. Tomou algum dinheiro emprestado de Holmboe. Provavelmente Crelle também o ajudou. Abel queria voltar para a Noruega, mas sentia-se compelido a permanecer no exterior, aguardando que a bolsa de estudos expirasse. Crelle tentou mantê-lo em Berlim até que pudesse encontrar para ele um emprego em uma universidade alemã; nesse meio tempo, ofereceu-lhe o cargo de editor de seu Journal.

Abel trabalhou assiduamente em um novo artigo: "Recherches sur les fonctions elliptiques" [Pesquisas sobre as funções elípticas], seu trabalho mais extenso — 125 páginas das Oeuvres completes [Obras completas]. Nesse trabalho, transformou radicalmente a teoria de integrais elípticas para a teoria de funções elípticas, usando as funções inversas, as quais correspondem, no caso mais elementar, à dualidade

As funções elípticas, portanto, se tornam uma vasta e natural generalização das funções trigonométricas; na esteira do trabalho de Abel, elas constituiriam os tópicos de pesquisa favoritos na matemática do século XIX. Abel já desenvolvera a maior parte da teoria quando era estudante em Oslo. Assim, pôde apresentar a teoria de funções elípticas com grande riqueza de detalhes, inclusive periodicidade dupla, expansões em séries infinitas e produtos, e teoremas de soma. A teoria levou às expressões para funções de um múltiplo do argumento, com a determinação concomitante das equações para argumentos fracionários e sua solução por meio de radicais, de maneira semelhante como Gauss tratara as equações ciclotômicas; as cartas de Abel para Holmboe (de Paris em dezembro de 1826 e de Berlim em 4 de março de 1827) indicam que ele estava particularmente fascinado pela determinação das condições para que uma lemniscata [curva plana em forma de 8] pudesse ser divisível em partes iguais por meio de compasso e régua, à maneira usada por Gauss na construção de polígonos regulares. A última parte trata da chamada teoria da multiplicação complexa, mais tarde tão importante na teoria dos números algébricos.

Abel retornou a Oslo em 20 de maio de 1827. Encontrou em casa uma situação tão melancólica quanto temia. Não tinha nem emprego nem bolsa de estudos, mas tinha muitas dívidas. Seu pedido de prorrogação da bolsa foi negado pelo Departamento de Finanças do governo, mas a universidade corajosamente conce-deu-lhe uma pequena remuneração, tirada de suas escassas reservas. Esta medida foi criticada pelo departamento, que se reservou o direito de deduzir a mesma quantia de qualquer salário que Abel viesse a receber no futuro.

A noiva de Abel encontrou um novo emprego na família do proprietário de uma siderurgia em Froland, perto de Arendal. Durante o outono, Abel complementou os rendimentos em Oslo dando aulas e possivelmente sendo ajudado por amigos. No ano-novo a situação ficou melhor. Hansteen, pioneiro em estudos geomagnéticos, recebeu uma grande verba para realizar estudos sobre o campo magnético terrestre, durante dois anos, na inexplorada Sibéria. Abel ficou como seu substituto na universidade e na Academia Militar Norueguesa.

A primeira parte de "Recherches" foi publicada no Journal de Crelle em setembro de 1827. Abel completou a segunda parte durante o inverno. Vivia isolado em Oslo. Como não havia correio de encomendas durante o inverno, ele não teve a menor ideia do interesse que os matemáticos europeus demonstraram por seu trabalho. Só no início de 1828, quando Hansteen mostrou-lhe o número de setembro da Astronomische Nachrichten [Notícias astronômicas], ficou sabendo que aparecera um concorrente no campo das funções elípticas. Nesse periódico, um jovem matemático alemão, K. G. J. Jacobi, anunciou (sem provas) resultados referentes à teoria da transformação de integrais elípticas. Abel rapidamente acrescentou uma nota ao manuscrito da segunda parte de "Recherches", mostrando como os resultados de Jacobi eram consequência dos seus próprios resultados.

Abel estava ciente de que começara uma corrida. Interrompeu um longo artigo sobre a teoria das equações que deveria conter a determinação de todas as equações passíveis de serem resolvidas por meio de radicais; a parte publicada continha a teoria daquelas equações hoje conhecidas como abelianas. 

Em rápida sucessão, escreveu uma série de artigos sobre funções elípticas. O primeiro foi "Solution d'un pro-blème general concernant la transformation des fonctions elliptiques" [Solução de um problema geral sobre a transformação de funções elípticas]. Este artigo, uma resposta direta a Jacobi, foi publicado na Astronomische Nachrichten; os outros apareceram no Journal de Crelle. Abel também preparou um artigo do tamanho de um livro, "Précis d'une théorie des fonctions elliptiques" [Compêndio de uma teoria de funções elípticas], que foi publicado depois de sua morte. Jacobi escreveu apenas breves notas que não revelaram os seus métodos; estes foram reservados para o seu livro Fundamenta nova theoriae functionum ellipticarum [Fundamentos da nova teoria de funções elípticas], de 1829.

Muito tem sido escrito a respeito da teoria inicial de funções elípticas. Parece haver pouca dúvida de que Abel já a conhecia vários anos antes de Jacobi. Por outro lado, é também um fato estabelecido que Gauss, embora sem publicar nada, havia descoberto os princípios das funções elípticas muito antes de Abel e Jacobi.

Os matemáticos europeus acompanharam com deslumbramento a competição entre os dois jovens. Legendre viu as notas de Jacobi e também recebeu uma carta dele. Numa reunião da Academia Francesa em novembro de 1827, elogiou o novo astro da matemática; o discurso foi reproduzido nos jornais, e Legendre enviou o recorte para Jacobi. Em sua resposta, Jacobi, depois de agradecer, mencionou o "Recherches" de Abel e os resultados gerais dele. Legendre respondeu: "Com esses trabalhos, vocês dois serão colocados entre os mais notáveis analistas de nosso tempo." 

Ele também mostrou-se desapontado com o método de apresentação de Jacobi e ficou irritado quando este confessou que, para deduzir alguns resultados, baseara-se no trabalho de Abel. Mais ou menos na mesma ocasião, Abel também iniciou uma correspondência com Legendre e remeteu suas ideias para ele.

Tudo o que os matemáticos europeus sabiam sobre a situação de Abel na Noruega era que ele tinha somente um emprego temporário e que ganhava a vida dando aulas para estudantes. A principal fonte de informações era Crelle, que usava reiteradamente sua influência para tentar obter uma nomeação para Abel em uma nova instituição científica a ser criada em Berlim. O progresso era muito lento; entretanto, em setembro de 1828, quatro eminentes membros da Academia Francesa de Ciências tomaram a extraordinária iniciativa de fazer uma petição direta a Berna-dotte, agora rei Carlos XIV da Noruega-Suécia, chamando sua atenção para Abel e solicitando que ele fosse nomeado para um cargo científico apropriado. Em uma reunião da Academia, em 25 de fevereiro de 1829, Legendre também prestou tributo a Abel e às suas descobertas, particularmente seus resultados na teoria das equações.

Enquanto isso, mesmo com uma saúde cada vez mais deteriorada, Abel escrevia novos artigos com sofreguidão. Passou as férias do verão de 1828 com a noiva na propriedade de Froland. No Natal, insistiu em visitá-la novamente, apesar de serem necessários vários dias de viagem sob frio intenso. Ele estava febril quando chegou ao destino, mas participou das celebrações natalinas da família. Deve ter adivinhado que seus dias estavam contados. Como temia que o grande trabalho apresentado à Academia Francesa estivesse perdido para sempre, escreveu a breve nota intitulada "Demonstration d'une propriété générale d'une certaine classe de fonctions transcendantes" [Demonstração de uma propriedade geral de certa classe de funções transcendentes], na qual deu a prova do teorema principal. Ele a enviou para Crelle em 6 de janeiro de 1829.

Enquanto esperava pelo trenó que o levaria de volta a Oslo, Abel sofreu uma violenta hemorragia. O médico diagnosticou tuberculose e recomendou-lhe prolongado descanso na cama. Ele morreu em abril, com 26 anos de idade, e foi sepultado na igreja vizinha de Froland durante uma nevasca. O túmulo está assinalado com um monumento erguido pelos amigos. Um deles, Baltazar Keilhau, escreveu para Christine Kemp, sem nunca tê-la visto, pediu-a em casamento, e ela aceitou o pedido.

Dois dias depois da morte de Abel, Crelle enviou-lhe uma carta jubilosa, informando que sua nomeação em Berlim estava garantida.

Em 28 de junho de 1830, a Academia Francesa de Ciências concedeu o seu Grand Prix a Abel e a Jacobi por suas notáveis descobertas matemáticas. Após uma intensa busca em Paris, o manuscrito do grande trabalho foi redescoberto. Foi publicado em 1841, quinze anos depois de ter sido apresentado. Durante a impressão, ele desapareceu novamente, para só reaparecer em 1952 em Florença.

Crelle escreveu um extenso panegírico de Abel em seu Journal (4 [1829], 402): "Todos os trabalhos de Abel levam a marca de habilidade e força de pensamento extraordinárias e às vezes surpreendentes, mesmo quando não se leva em conta a sua juventude. Pode-se dizer que ele conseguiu penetrar em todos os obstáculos até as mais profundas raízes dos problemas, com uma força que pareceu irresistível; atacou os problemas com extraordinária energia; os encarou do alto e conseguiu elevar-se tanto, que todas as dificuldades pareceram dissipar-se sob a investida do seu gênio. [...] Mas não foi apenas seu grande talento que criou o respeito por Abel e fez sua perda ser infinitamente lamentável. Ele se distinguiu também pela pureza e nobreza de caráter, e por uma rara modéstia que fez com que sua pessoa fosse apreciada no mesmo extraordinário grau de seu gênio."

BIBLIOGRAFIA

OBRAS ORIGINAIS Os trabalhos completos de Abel estão publicados em duas edições: Oeuvres completes de N. H. Abel, mathéma-ticien, org. e anotações B. Holmboe (Oslo, 1839); e Nouvelle édition, org. M. M. L. Sylow e S. Lie, 2 v. (Oslo, 1881).
LITERATURA SECUNDÁRIA Materiais sobre a vida de Abel incluem: Niels Henrik Abel: Memorial publié à Voccasion du centenaire de sa naissance (Oslo, 1902) que compreende todas as cartas citadas no texto; e O. Ore, Niels Henrik Abel: Mathematician Extraordinary (Minneapolis, Minn., 1957).







Forte abraço,
Prof. Sérgio Torres
                                                     Sergio Torres

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Prof. Sérgio Torres